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TENDÊNCIAS/DEBATES
O Brasil tem condições de garantir o direito
de voto ao preso provisório?
NÃO
A segurança do processo eleitoral
ROBERTO PORTO
A GARANTIA do direito ao voto
dos presos provisórios, assegurada pela Constituição Federal
em seu artigo 15, III, ganhou recentemente grande evidência com a aprovação unânime, pelos ministros do
Tribunal Superior Eleitoral, de regras
que dispõem sobre a instalação de seções eleitorais especiais em estabelecimentos penais e de internação de
adolescentes para viabilizar o voto de
presos provisórios no Brasil.
A medida deve abranger aproximadamente 150 mil presos provisórios
espalhados pelo país e cerca de 15 mil
adolescentes submetidos a medidas
socioeducativas. Somente no Estado
de São Paulo, a medida alcançará 52
mil presos provisórios que aguardam
julgamento em 55 centros de detenção provisória e de ressocialização.
As opiniões sobre o assunto têm sido as mais diversas. É certo que o regime adotado no Brasil é o da obrigatoriedade do voto, garantindo a todos,
inclusive aos presos provisórios, o
pleno exercício da cidadania. Cabe ao
Estado zelar pela aplicação da garantia constitucional da presunção de
inocência e o exercício político aos
presos provisórios em igualdade de
condições com os que estão em liberdade. Da mesma forma, cabe ao poder
público zelar pela aplicabilidade do
processo eleitoral brasileiro, garantindo aos servidores eleitorais condições mínimas de segurança e saúde.
Como é de conhecimento público, a
falta de dignidade no cumprimento
da pena prevalece na grande maioria
dos nossos estabelecimentos prisionais. Dados do Departamento Penitenciário Nacional indicam, no Brasil,
um deficit de mais de 135 mil vagas.
Dos 336.358 presos existentes no
país, 262.710 se encontram encarcerados sob condições precárias.
São em média duas rebeliões e três
fugas por dia. São 345 mil mandados
de prisão expedidos e não cumpridos,
em um país onde são praticados mais
de 1 milhão de crimes por ano.
A grande maioria dos presídios brasileiros não dispõe de serviços de saúde adequados. Em consequência, a
propagação de microbactérias resistentes na comunidade carcerária, de
modo a difundir a tuberculose pulmonar, chega a atingir níveis epidêmicos. O impacto da tuberculose no
sistema prisional não se limita aos
presídios, mas afeta também a comunidade com que se relacionam.
A tuberculose é responsável pela
ocorrência de 5.000 mortes anuais no
Brasil. Mais da metade dos casos de
incidência estão relacionados com o
sistema prisional. Mas não é só.
A Lei de Execução Penal define que
deve ser reservado a cada preso do
sistema penitenciário um espaço de
seis metros quadrados. É comum em
estabelecimentos penitenciários brasileiros presos se revezarem para dormir, já que o espaço interno da cela
não permite que todos se deitem ao
chão ao mesmo tempo.
Por todas essas razões, o sistema
penitenciário brasileiro acabou se
tornando um fator permanente de
tensão social. De onde, então, aguardar a urgente eficiência exigida pela
resolução aprovada pelo TSE?
O momento é crítico e merece de
todos nós a máxima reflexão. Ainda
que alguns Estados brasileiros, como
Pernambuco, Sergipe e Pará, já tenham implementado, a título de experiência, a instalação de seções eleitorais dentro de alguns de seus presídios, devemos ter a coragem de admitir que o Estado brasileiro, de forma
geral, ainda não tem condições de assegurar a tranquilidade necessária
para a realização do processo eleitoral
dentro do nosso sistema prisional.
A política penitenciária recentemente implantada pelo governo paulista vem apresentando dados positivos, mas que não podem ser tidos como referência para a análise de medida que, na maioria dos demais Estados, certamente colocará em risco a
integridade física e emocional de servidores eleitorais, bem como do próprio processo eleitoral como um todo.
Em visão canhestra da dimensão do
problema, a opção de levar a cabo ainda em 2010 a resolução do TSE, legítima na ideia doutrinária, mas inaplicável diante da atual situação do sistema prisional brasileiro, pode comprometer o início de um processo que,
bem avaliado e adequadamente implementado, certamente determinará a virada da exclusão social e política dos privados de liberdade.
ROBERTO PORTO, 41, mestre em direito político econômico pela Universidade Mackenzie de São Paulo e autor do
livro "Crime Organizado e Sistema Prisional", é promotor
de Justiça do Grupo de Atuação Especial de Repressão ao
Crime Organizado, em São Paulo.
Os artigos publicados com assinatura não traduzem a opinião do jornal. Sua publicação obedece ao propósito de estimular o debate dos problemas brasileiros e mundiais e de refletir as diversas tendências do pensamento contemporâneo. debates@uol.com.br
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