São Paulo, sábado, 03 de abril de 2010

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TENDÊNCIAS/DEBATES


O Brasil tem condições de garantir o direito de voto ao preso provisório?

NÃO

A segurança do processo eleitoral

ROBERTO PORTO

A GARANTIA do direito ao voto dos presos provisórios, assegurada pela Constituição Federal em seu artigo 15, III, ganhou recentemente grande evidência com a aprovação unânime, pelos ministros do Tribunal Superior Eleitoral, de regras que dispõem sobre a instalação de seções eleitorais especiais em estabelecimentos penais e de internação de adolescentes para viabilizar o voto de presos provisórios no Brasil.
A medida deve abranger aproximadamente 150 mil presos provisórios espalhados pelo país e cerca de 15 mil adolescentes submetidos a medidas socioeducativas. Somente no Estado de São Paulo, a medida alcançará 52 mil presos provisórios que aguardam julgamento em 55 centros de detenção provisória e de ressocialização.
As opiniões sobre o assunto têm sido as mais diversas. É certo que o regime adotado no Brasil é o da obrigatoriedade do voto, garantindo a todos, inclusive aos presos provisórios, o pleno exercício da cidadania. Cabe ao Estado zelar pela aplicação da garantia constitucional da presunção de inocência e o exercício político aos presos provisórios em igualdade de condições com os que estão em liberdade. Da mesma forma, cabe ao poder público zelar pela aplicabilidade do processo eleitoral brasileiro, garantindo aos servidores eleitorais condições mínimas de segurança e saúde.
Como é de conhecimento público, a falta de dignidade no cumprimento da pena prevalece na grande maioria dos nossos estabelecimentos prisionais. Dados do Departamento Penitenciário Nacional indicam, no Brasil, um deficit de mais de 135 mil vagas.
Dos 336.358 presos existentes no país, 262.710 se encontram encarcerados sob condições precárias.
São em média duas rebeliões e três fugas por dia. São 345 mil mandados de prisão expedidos e não cumpridos, em um país onde são praticados mais de 1 milhão de crimes por ano.
A grande maioria dos presídios brasileiros não dispõe de serviços de saúde adequados. Em consequência, a propagação de microbactérias resistentes na comunidade carcerária, de modo a difundir a tuberculose pulmonar, chega a atingir níveis epidêmicos. O impacto da tuberculose no sistema prisional não se limita aos presídios, mas afeta também a comunidade com que se relacionam.
A tuberculose é responsável pela ocorrência de 5.000 mortes anuais no Brasil. Mais da metade dos casos de incidência estão relacionados com o sistema prisional. Mas não é só.
A Lei de Execução Penal define que deve ser reservado a cada preso do sistema penitenciário um espaço de seis metros quadrados. É comum em estabelecimentos penitenciários brasileiros presos se revezarem para dormir, já que o espaço interno da cela não permite que todos se deitem ao chão ao mesmo tempo.
Por todas essas razões, o sistema penitenciário brasileiro acabou se tornando um fator permanente de tensão social. De onde, então, aguardar a urgente eficiência exigida pela resolução aprovada pelo TSE?
O momento é crítico e merece de todos nós a máxima reflexão. Ainda que alguns Estados brasileiros, como Pernambuco, Sergipe e Pará, já tenham implementado, a título de experiência, a instalação de seções eleitorais dentro de alguns de seus presídios, devemos ter a coragem de admitir que o Estado brasileiro, de forma geral, ainda não tem condições de assegurar a tranquilidade necessária para a realização do processo eleitoral dentro do nosso sistema prisional.
A política penitenciária recentemente implantada pelo governo paulista vem apresentando dados positivos, mas que não podem ser tidos como referência para a análise de medida que, na maioria dos demais Estados, certamente colocará em risco a integridade física e emocional de servidores eleitorais, bem como do próprio processo eleitoral como um todo.
Em visão canhestra da dimensão do problema, a opção de levar a cabo ainda em 2010 a resolução do TSE, legítima na ideia doutrinária, mas inaplicável diante da atual situação do sistema prisional brasileiro, pode comprometer o início de um processo que, bem avaliado e adequadamente implementado, certamente determinará a virada da exclusão social e política dos privados de liberdade.


ROBERTO PORTO, 41, mestre em direito político econômico pela Universidade Mackenzie de São Paulo e autor do livro "Crime Organizado e Sistema Prisional", é promotor de Justiça do Grupo de Atuação Especial de Repressão ao Crime Organizado, em São Paulo.

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