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CARLOS HEITOR CONY
Moral e compostura
RIO DE JANEIRO - Com certa periodicidade, há espasmos de moral
e de compostura na vida pública,
principalmente após eleições de
novos governos e, sobretudo, após
movimentos revolucionários. Lembro um caso registrado por Humberto de Campos em "Notas de um
Diarista", obra póstuma, mas referente aos primeiros dias da Revolução de 30.
O escritor, deputado federal cassado, comprara um décimo de bilhete da loteria federal e fora premiado com o mesmo dinheiro da
compra, na época, 20$000 réis. Desistindo de tentar novamente a sorte, foi à casa lotérica para receber a
quantia de volta. Mostrou a fração
premiada, mas teve de se identificar. Seu nome constava de uma lista
de pessoas que não podiam receber
dinheiro oficial, uma vez que a loteria era administrada pela Caixa
Econômica. Como ex-deputado,
qualquer transação, por mínima
que fosse, com as burras do governo, exigia complicado trânsito administrativo.
Orientado pelo gerente da casa
lotérica, depositou o bilhete numa
agência do Banco do Brasil como
um valor qualquer, esperou uns
dias e finalmente recebeu em espécie 18$000 réis, uma vez que o banco cobrou a comissão de 10% a que
tinha direito. Com medidas assim, o
governo revolucionário que depusera a República Velha, carcomida
pela improbidade na vida pública,
instaurava um novo tempo, embrião de um Estado Novo que seria
instalado em 1937.
Em 1964, após o movimento militar, a onda moralista ressurgiu ferozmente. Lembro a batida na casa
do deputado Leonel Brizola, que estava no exílio. Levaram roupas e sapatos de sua mulher, que era irmã
do presidente deposto, para a perícia e confronto com as declarações
de renda do casal. Não temos revoluções à vista. Mas desconfio de
muito moralismo.
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