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TENDÊNCIAS/DEBATES
O Brasil deve restringir a propaganda de cerveja?
SIM
O desespero do lobby da cerveja
HENRIQUE CARLOS GONÇALVES, MARILENA LAZZARINI e RONALDO LARANJEIRA
A CÂMARA dos Deputados votará em breve projeto de lei do
Executivo que proíbe a veiculação de propagandas de cerveja nos
meios de comunicação antes das 21h.
É uma medida branda, bem distante da proibição total da propaganda
de bebidas alcoólicas defendida pelo
Movimento Propaganda Sem Bebida,
que reúne mais de 300 organizações
da sociedade civil, entre entidades
médicas, ONGs que trabalham com
dependência química e saúde mental,
igrejas, universidades, sindicatos,
conselhos profissionais, conselhos
municipais de políticas públicas de álcool e drogas, serviços de saúde e órgãos de defesa do consumidor.
Cerca de 70% da população brasileira, conforme pesquisa da Senad
(Secretaria Nacional Antidrogas),
também aprova a proibição da propaganda de cerveja e outras bebidas nos
meios de comunicação.
Pela atual legislação, a propaganda
de cerveja tem tratamento privilegiado em relação aos comerciais de bebidas destiladas, que, desde 1996, são
proibidos na televisão antes das 21h.
É preciso corrigir essa anomalia legal. Para a saúde, muito mais significativa que a gradação alcoólica é a
quantidade consumida. Recente pesquisa revelou que, entre os brasileiros
que têm uma relação problemática
com o álcool, a cerveja representa
73% das doses ingeridas.
O uso de álcool, turbinado pela propaganda de cerveja, é um dos mais
graves problemas de saúde e segurança pública no Brasil.
É responsável por mais de 10% de
todos os casos de adoecimento e morte. Segundo o Denatran, mais de 50%
dos acidentes de trânsito fatais estão
relacionados ao consumo de álcool,
que está também ligado a abandono
de crianças, homicídios, delinqüência, violência doméstica e abusos sexuais. A presença do álcool é detectada em 70% dos laudos cadavéricos de
mortes violentas, a maioria jovens.
O consumo abusivo de álcool custa
caro à sociedade e ao Sistema Único
de Saúde, em tratamento de doenças,
atendimentos em prontos-socorros,
internações psiquiátricas, faltas no
trabalho, além dos custos humanos
com a diminuição da qualidade de vida dos usuários e de seus familiares.
Atualmente, mais de 10% dos brasileiros podem ser considerados dependentes do álcool. E o mais alarmante: diversos estudos confirmam
que a idade com que adolescentes começam a beber está caindo no Brasil,
e a freqüência, aumentando.
Por não ser regulada -as propostas
de auto-regulação são risíveis-, a
propaganda de cerveja dirige-se ostensivamente aos jovens, valoriza o
consumo em grandes quantidades e o
associa ao bom êxito social e sexual.
A penetração da publicidade no
mundo das crianças e dos adolescentes, sua receptividade e recordação
estão ligadas à iniciação do consumo.
A propaganda de cerveja é ato puramente comercial, tem a função exclusiva de venda e, por isso, não é razoável reduzi-la, como defendem alguns,
a simples expressão do livre pensamento. Como fez acertadamente o
Parlamento brasileiro ao proibir a
propaganda de cigarro, isso não significa censura ou qualquer outra forma
de atentado ao Estado democrático
de Direito.
A publicidade é lícita, mas não configura, por óbvio, direito absoluto. É,
aliás, a própria Constituição Federal
brasileira que admite a restrição da
propaganda de bebidas alcoólicas, entre outros produtos com potencial lesivo à saúde e ao meio ambiente.
Por isso, pedimos aos senhores deputados federais que não se deixem
levar somente pela campanha desesperada e pelo lobby agressivo da indústria da cerveja, das grandes emissoras de TV e das agências de publicidade. Afinal, estão movidos unicamente pelo temor da queda de faturamento e pela perda de parte da capacidade de convencer novos consumidores. Fiquem conosco, com a saúde e
a vida de nossos jovens.
HENRIQUE CARLOS GONÇALVES, 60, é médico pediatra
e presidente do Conselho Regional de Medicina do Estado
de São Paulo.
MARILENA LAZZARINI, 59, é coordenadora-executiva do
Idec (Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor) e ex-presidente da Consumers International.
RONALDO LARANJEIRA, 51, é médico psiquiatra, professor e coordenador da Unidade de Pesquisa em Álcool e
Drogas da Unifesp (Universidade Federal de São Paulo).
Os artigos publicados com assinatura não traduzem a opinião do jornal. Sua publicação obedece ao propósito de estimular o debate dos problemas brasileiros e mundiais e de refletir as diversas tendências do pensamento contemporâneo. debates@uol.com.br
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