São Paulo, sexta-feira, 03 de junho de 2011

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TENDÊNCIAS/DEBATES

A missão e o momento

LUIZ CARLOS BRESSER-PEREIRA


Dirijo-me à senhora agora, presidente, porque vejo seu governo ameaçado pelo caso Palocci; não deixe seu grande momento na política escapar

Presidente Dilma, nada é hoje mais importante para os brasileiros do que o bom êxito do seu governo.
Como um deles, torço para que a senhora entregue o poder para seu sucessor reconhecida por todos.
Ninguém deseja mais esse resultado do que a senhora mesma, porque é natural que almejemos o sucesso de nossos empreendimentos. E porque a senhora deixou claro em sua vida pública seu compromisso com o bem público; porque não escolheu a vida política para ficar rica ou para gozar o poder em nome do próprio poder, mas para contribuir para a construção de um Brasil mais próspero, mais democrático e menos injusto.
Torço pela senhora, e até há pouco estava confiante de que seria bem-sucedida, dados o equilíbrio e a firmeza com que iniciou o seu governo. Comecei a ficar preocupado quando não resolveu colocar como prioridade econômica administrar a taxa de câmbio e colocá-la em um nível compatível com o desenvolvimento sustentado do país, mas essa é uma outra história, para um outro momento.
Agora, me dirijo à senhora porque vejo seu governo enfraquecido e ameaçado pelo caso Palocci. O ministro estaria sendo injustiçado pela imprensa, a começar por esta Folha? Não creio, seu enriquecimento súbito só pode ser explicado por tráfego de influência.
Há mais fatos a serem verificados? Muito poucos. Ele reconheceu oficialmente seus ganhos em sua declaração do Imposto de Renda.
O nome de todas as empresas que o pagaram não foi divulgado, mas não há dúvida de que todas têm interesses no Estado. Há a pergunta sobre o que e quanto elas ganharam, mas as trocas que as empresas fazem com políticos influentes raramente são diretas e claras. Elas, porém, contam com o retorno do seu "investimento".
O ministro é insubstituível? Não o é mais em relação aos setores mais conservadores da sociedade.
Analistas sugeriram que ele era o "fiador" de seu governo com as elites, mas, se isso foi verdade, hoje, depois do escândalo, não é mais.
As elites são pragmáticas e impiedosas. Mas não seria ele necessário do ponto de vista político, dada sua habilidade em negociar? Sem dúvida, governar é fazer política. E a política é a arte de argumentar e de fazer concessões mútuas para alcançar maioria e governar.
Mas, hoje, Palocci é um político enfraquecido; é um peso, e não um ativo em seu governo.
Alguns me dizem que, se o chefe da Casa Civil for dispensado, seu governo sairá enfraquecido porque cedeu. Não creio. O malfeito não ocorreu no seu governo. Para governar, a senhora precisará fazer concessões, mas só vale a pena fazê-las com quem pode somar.
Antonio Palocci pode ser amigo de Dilma Rousseff, mas não é amigo da presidente do Brasil.
Uma presidente não tem amigos.
Tem apenas um compromisso consigo mesma e com seu país. Sei que essa afirmação não é verdadeira para muitos políticos, mas para a senhora é. A política para a senhora é uma missão, e a presidência do Brasil, seu grande momento. Não o deixe escapar.

LUIZ CARLOS BRESSER-PEREIRA, 76, professor emérito da FGV-SP, é colunista da Folha . Foi ministro da Ciência e Tecnologia e da Administração Federal e Reforma do Estado (governo FHC), além de ministro da Fazenda (governo Sarney). É autor de, entre outras obras, "Desenvolvimento e Crise no Brasil" (Editora 34).

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