São Paulo, quarta-feira, 03 de julho de 2002 |
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TENDÊNCIAS/DEBATES O golpe de Estado permanente
FÁBIO KONDER COMPARATO
Chegou, então, a vez do candidato Ciro Gomes, cujo desempenho em programas políticos de rádio e televisão é notoriamente brilhante. O mesmo TSE é acionado para, em interpretação cavilosa da Lei Orgânica dos Partidos Políticos, afastar o temido concorrente, confinando-o ao tempo minúsculo do partido no qual se inscreveu, sem poder aparecer no horário reservado aos demais partidos que se coligaram para o lançamento de sua candidatura. A seguir, surgiu o risco de uma divisão do PMDB, suscetível de enfraquecer o candidato do Planalto. Aí foi preciso intervir cirurgicamente, com urgência, pois uma medida judicial liminar suspendera, na véspera, a realização da convenção nacional do partido. Procurado pelos advogados oficiais do PMDB, o presidente do mesmo Tribunal Eleitoral, ministro Nelson Jobim, explicou-lhes como agir para que o feito lhe fosse encaminhado diretamente, e não a outro integrante do tribunal. Na madrugada do dia seguinte, mais exatamente às 3h da manhã, Sua Excelência recebe os mesmos advogados em sua casa e determina a cassação da medida liminar. Faltava a colaboração do Ministério Público. Em quase oito anos de exercício funcional e malgrado seus esforços notórios, o procurador-geral da República não conseguiu vislumbrar a responsabilidade daquele que o nomeou para o cargo, ou de algum de seus ministros, nos diferentes escândalos que os meios de comunicação de massa não conseguiram abafar: as concorrências fictícias em leilões de privatização, a compra de votos para aprovação da emenda da reeleição, a fraude na concorrência do Sivam, o suborno de parlamentares para impedir a instalação da CPI da corrupção no governo federal, entre muitos outros episódios. Abandonando, porém, essa atitude, digamos, de cautelosa prudência, o dr. Geraldo Brindeiro se apressa em pedir a abertura de inquérito criminal contra o presidente nacional do PT, procurando envolvê-lo em acusações de extorsão na Prefeitura de Santo André. Ao mesmo tempo, estabelece convênio com o Ministério Público do Estado de São Paulo, que, por curiosa coincidência, passou a se interessar prioritariamente pelo assunto. Não importa saber se essas altas autoridades têm consciência do que se trama. O inconcebível é que os dirigentes dos principais órgãos de comunicação de massa sejam cegos ou ingênuos, a ponto de pretenderem desconhecer a gigantesca fraude eleitoral em curso. É inaceitável que os grandes formadores de opinião se declarem neutros ou imparciais diante desses fatos. A neutralidade, aqui, não passa de dissimulada cumplicidade com o assassínio de toda a esperança. Brasileiros, vamos resistir ao golpe permanente e defender a nossa dignidade. Fábio Konder Comparato, 65, jurista, doutor pela Universidade de Paris, é professor titular da Faculdade de Direito da USP e doutor honoris causa da Faculdade de Direito de Coimbra. É autor, entre outra obras, de "A Afirmação Histórica dos Direitos Humanos" (Saraiva). Texto Anterior: Frases Próximo Texto: Roberto Nicolsky: Inovação tecnológica, o único caminho Índice |
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