|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
O jabá e a liberdade de comunicação
LOURIVAL J. SANTOS
No plano do Direito, o jabá é um ato de manifesto desrespeito à liberdade de expressão, consagrada pela Constituição brasileira
O JABÁ É UM mal crônico no
Brasil e em boa parte do mundo. Os que militam em empresas de radiodifusão, em produtoras de
discos ou no mundo artístico sabem
da sua existência longeva e não acreditam na possibilidade de extirpá-lo,
porém são unânimes quanto aos prejuízos causados por ele.
Uma clara idéia da questão é dada
por João Bernardo Caldeira e Nelson
Gobbi: "Além de criar paradas de discos falsas, forçar estéticas a partir de
critérios comerciais e não de qualidade, o jabá deixa à margem dos meios
de comunicação artistas que não querem (ou não podem) recorrer a esse
expediente econômico para divulgar
sua obra" ("JB Online", 31 de maio de
2005). Nada mais ofensivo ao culto do
respeito à ética, à dignidade da pessoa
humana e aos valores sociais do trabalho e da livre iniciativa, princípios
básicos do Estado de Direito.
Apesar da sua nocividade, o jabá
manteve-se até agora intocável no
país, criticado sem êxito por alguns,
porém geralmente admitido como
mais uma das muitas espécies locais
de deformidade social, diagnosticada
como enfermidade incurável, a serviço da detração dos valores fundamentais da sociedade.
Se o jabá desrespeita os critérios
éticos fundamentais, seus efeitos são
igualmente letais no plano da estética, pois a arte, que é a mais sublime
manifestação do espírito criador do
homem, por força dessa prática é legada à condição de mera emissora de
"commodities", em benefício dos que
buscam, ilicitamente, o lucro certo e o
enriquecimento sem justa causa.
Além disso, também alimenta a
perversa "indústria cultural", combatida por nomes ilustres como Norberto Bobbio, que a definiu como o resultado negativo da massificação dos
meios de comunicação: "(...) a arte
que deveria ser a coisa mais irrepetível e criativa, torna-se um produto como os outros, reprodutível ao infinito,
consumível, uma mercadoria que o
público compra ou é induzido a comprar, com a mesma falta de gosto pessoal com que compra um sabonete ou
um par de sapatos" ("Igualdade e Liberdade", Ediouro, 2000, pág. 91).
No plano do Direito, a nosso ver, o
jabá quadra-se como ato de manifesto
desrespeito à liberdade de expressão,
consagrada pela Constituição.
Como frisamos em trabalho anterior: "A liberdade, mormente no campo da expressão (considere-se a expressão da atividade artística), assim
como o acesso do cidadão à informação, constituem-se regras essenciais
do Estado democrático de Direito,
pairando acima da competência de
quaisquer dos Poderes constituídos
(...). Enquanto valor/fruto de conquista política da sociedade não poderá ser limitada, por ser fator limitativo da própria competência do Estado" (Lourival J. Santos - "Correio
Braziliense", março de 2000).
As manipulações de informações,
os falseamentos de verdade, os impedimentos causados aos intérpretes e
autores que, independentemente do
valor intelectual de suas obras, poderão ter o acesso ao mercado obliterado pela censura impingida pela pressão do dinheiro, sem dúvida são
agressões à liberdade de exercício da
atividade intelectual, artística e de comunicação e ao direito do cidadão de
ter livre acesso à informação.
Nas empresas de radiodifusão, onde a prática é mais disseminada, há o
agravante de serem as concessões para tal serviço bens públicos, "destinados a serem recebidos direta e livremente pelo público em geral".
Como é estabelecido no Código
Brasileiro de Telecomunicações e
suas normas reguladoras, ao adquirir
a concessão, a empresa assume a responsabilidade legal de manter os serviços de informação, divertimento e
de publicidade em percentuais legalmente fixados, perfeitamente subordinados às finalidades educativas e
culturais, "visando os superiores interesses do país", sob pena de se sujeitar
a rigorosas sanções, que variam da
aplicação de multa à cassação definitiva da concessão, dependendo da
gravidade da infração cometida.
Por isso, concluímos que as empresas envolvidas na prática do jabá expõem-se a grandes riscos, pois a divulgação dolosa de notícia falsa sobre
a área musical, a discriminação da
manifestação artística a quem não se
curve às exigências de suborno, além
da malversação de bem público, não
podem ser consideradas infrações de
pequena gravidade.
LOURIVAL J. SANTOS, 61, sócio de Lourival J. Santos Advogados, diretor jurídico da Associação Nacional dos Editores de Revistas e associado do Instituto dos Advogados
de São Paulo.
Texto Anterior: TENDÊNCIAS/DEBATES Roberto Saturnino Braga: Congresso e Forças Armadas, diálogo necessário Próximo Texto: Painel do Leitor Índice
|