São Paulo, terça-feira, 03 de julho de 2007

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MARCOS NOBRE

A explicação de tudo

A QUANTIDADE DE desgraças, ilegalidades, cinismos e malfeitorias dos últimos tempos é atordoante. Massacres policiais como o do complexo do Alemão, o espancamento de uma mulher que esperava um ônibus, manobras para livrar o presidente do Congresso de uma investigação séria por acusações graves e tantas outras barbaridades.
Mas junto com o atordoamento há também a busca por uma explicação. As explicações que mais se ouve são as de uma confusão entre público e privado, ou de uma ausência de cultura cívica, ou de uma perversa confluência de crime e política, ou de uma democratização incompleta que produz indiferença, intolerância, violência e segregação, ou ainda de uma herança escravocrata que se cristalizou em desigualdade social crônica.
A busca de explicações é mais que saudável. É um antídoto às reações emocionais do tipo "olho por olho". O problema surge quando pretendem explicar tudo a partir de um único princípio. Porque explicações assim generalizantes explicam tudo e não explicam nada ao mesmo tempo. Pior, acabam reforçando a sensação de atordoamento porque afirmam que todos os infortúnios vêm de um mesmo lugar. E trazem o conforto estranho da impotência: não há como mudar essa origem perversa da situação atual.
O primeiro desafio está em entender cada um desses acontecimentos trágicos na sua especificidade. Afastar o atordoamento mais que compreensível e começar por tentar separar o que parece ser uma coisa só.
Existem elos entre redes de corrupção e o crime organizado? Esse elo seria primeiramente o da lavagem de dinheiro, por exemplo? Pode ser. Mas sabe-se muito pouco sobre isso. A malfadada proposta do voto em lista -felizmente derrubada- era uma tentativa de isolar de vez o sistema político da pressão por reformas efetivas de combate à corrupção? É possível.
Mas o que isso tem diretamente que ver com a intervenção brutal do Estado nos morros cariocas? O Estado não é um bloco monolítico que funciona segundo uma lógica única. Nem a sociedade é uniforme, como se, a partir de uma só tese geral, fosse possível explicar por que um bando de rapagões bem nutridos não só espanca uma mulher como "justifica" tal ato dizendo que a confundiram com uma prostituta.
A gravidade de acontecimentos como esses exige ação. E ação não é apenas exigir que as instituições funcionem. É também fazer perguntas e mais perguntas, encontrar soluções complexas para problemas complexos. Do contrário, à tragédia vão se seguir seja ações equivocadas, seja a pura e simples inação.


MARCOS NOBRE escreve às terças-feiras nesta coluna.


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