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MARCOS NOBRE
A explicação de tudo
A
QUANTIDADE DE desgraças, ilegalidades, cinismos e
malfeitorias dos últimos
tempos é atordoante. Massacres
policiais como o do complexo do
Alemão, o espancamento de uma
mulher que esperava um ônibus,
manobras para livrar o presidente
do Congresso de uma investigação
séria por acusações graves e tantas
outras barbaridades.
Mas junto com o atordoamento
há também a busca por uma explicação. As explicações que mais se
ouve são as de uma confusão entre
público e privado, ou de uma ausência de cultura cívica, ou de uma
perversa confluência de crime e
política, ou de uma democratização incompleta que produz indiferença, intolerância, violência e segregação, ou ainda de uma herança
escravocrata que se cristalizou em
desigualdade social crônica.
A busca de explicações é mais
que saudável. É um antídoto às reações emocionais do tipo "olho por
olho". O problema surge quando
pretendem explicar tudo a partir
de um único princípio. Porque explicações assim generalizantes explicam tudo e não explicam nada
ao mesmo tempo. Pior, acabam reforçando a sensação de atordoamento porque afirmam que todos
os infortúnios vêm de um mesmo
lugar. E trazem o conforto estranho da impotência: não há como
mudar essa origem perversa da situação atual.
O primeiro desafio está em entender cada um desses acontecimentos trágicos na sua especificidade. Afastar o atordoamento mais
que compreensível e começar por
tentar separar o que parece ser
uma coisa só.
Existem elos entre redes de corrupção e o crime organizado? Esse
elo seria primeiramente o da lavagem de dinheiro, por exemplo? Pode ser. Mas sabe-se muito pouco
sobre isso. A malfadada proposta
do voto em lista -felizmente derrubada- era uma tentativa de isolar de vez o sistema político da
pressão por reformas efetivas de
combate à corrupção? É possível.
Mas o que isso tem diretamente
que ver com a intervenção brutal
do Estado nos morros cariocas? O
Estado não é um bloco monolítico
que funciona segundo uma lógica
única. Nem a sociedade é uniforme, como se, a partir de uma só tese geral, fosse possível explicar por
que um bando de rapagões bem
nutridos não só espanca uma mulher como "justifica" tal ato dizendo que a confundiram com uma
prostituta.
A gravidade de acontecimentos
como esses exige ação. E ação não é
apenas exigir que as instituições
funcionem. É também fazer perguntas e mais perguntas, encontrar
soluções complexas para problemas complexos. Do contrário, à
tragédia vão se seguir seja ações
equivocadas, seja a pura e simples
inação.
MARCOS NOBRE escreve às terças-feiras nesta coluna.
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