São Paulo, quinta-feira, 03 de julho de 2008

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Editoriais

Fichas sujas

Apesar da intenção moralizante, impedir candidaturas de políticos com processos judiciais traz risco de abusos

ALIMENTADO com doses maciças de demagogia, mentira e desfaçatez, o horário eleitoral gratuito certamente é incapaz de atender às demandas de mais debate e informação política por parte do eleitorado brasileiro. Este se vê, a rigor, como que indefeso diante de uma nuvem voraz de candidatos -em especial aqueles que disputam cargos no Legislativo-, os quais mal conhece, e de cujo intuito predatório e criminoso desconfia, muitas vezes com razão.
Sem dúvida, é por se sentirem desarmados diante desse indiscriminado assédio eleitoral -e dos inúmeros escândalos protagonizados pelos vitoriosos em cada pleito- que setores significativos da opinião pública vêem com simpatia a idéia de impedir a candidatura daqueles que tenham processos correndo na Justiça; ou, pelo menos, dos que já foram condenados em alguma instância, mesmo que lhes caiba ainda algum recurso.
São entretanto corretas e oportunas as críticas do presidente do Supremo Tribunal Federal, Gilmar Mendes, às iniciativas de barrar judicialmente a candidatura dos chamados "fichas sujas". Não seria difícil, da parte de qualquer candidato, promover a abertura artificial de processos contra um adversário. No caso de políticos que já passaram pelo Executivo, é corriqueiro que ações de todo tipo -legítimas ou disparatadas- multipliquem-se em seu descrédito.
Mais uma vez, algo semelhante a um automatismo burocrático, ou uma versão renovada do conhecido fenômeno da "judicialização da política" tenderia a substituir, com risco evidente de abusos e distorções, um processo no qual o eleitor, na verdade, é quem deve ser o único juiz.
A filtragem prévia de candidatos, sobre os quais não pesa condenação definitiva, equivaleria, no fundo, a delegar a uma instância judicial responsabilidades que, numa democracia, cabem essencialmente aos cidadãos.
Não haveria como distinguir, de resto, os diversos níveis de gravidade e consistência das acusações que pesam contra os candidatos, sobre os quais cairia indiscriminadamente a lâmina cega de um dispositivo jacobino.
Nada mais urgente do que recuperar um mínimo de qualidade ética na política brasileira. É no plano da informação, e não de novos expedientes regulatórios, que se devem entretanto procurar mecanismos de garanti-la.
São públicos, de resto, os dados sobre os processos judiciais enfrentados por qualquer candidato. Disponibilizá-los de forma confiável na internet seria passo importante para auxiliar escolhas do eleitorado. Que este saiba discriminar e julgar, por conta própria, as informações a seu dispor. Nenhuma autoridade poderá substituí-lo nessa tarefa.


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