São Paulo, quinta-feira, 03 de agosto de 2006

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DEMÉTRIO MAGNOLI

O que há num nome

OS EUA divulgam a cada ano uma lista de organizações terroristas, na qual constam o Hamas palestino e o Hizbollah libanês. A ONU não tem uma lista desse tipo. O Brasil também não.
A identificação de atos terroristas é procedimento diferente da rotulagem de agrupamentos como terroristas. O primeiro fundamenta uma condenação moral, que é indispensável para separar a civilização da barbárie. O segundo representa um ato crucial no discurso político, com repercussões perigosas. O terror é uma forma de negação da política, mas, ao mesmo tempo, integra a política contemporânea.
O IRA, responsável por incontáveis atos de terror, tornou-se interlocutor do Estado britânico e incorporou-se à vida política irlandesa. O Irgun, um grupo sionista clandestino que atuou na Palestina Britânica, foi classificado como organização terrorista pelos britânicos e pela Agência Judaica. Mas, em 1948, seus militantes ingressaram no exército de Israel e, em 1972, seus líderes fundaram o partido Likud.
Dois desses líderes, Menachem Begin e Yitzhak Shamir, chefiaram gabinetes de Israel.
O Hamas, um ramo ideológico da Irmandade Muçulmana egípcia, constituiu um movimento político na Palestina. Em janeiro, venceu eleições legítimas, realizadas no arcabouço dos acordos de paz, tornando-se governo autônomo palestino. O Hizbollah, originalmente um fruto externo da revolução islâmica iraniana, desenvolveu-se como guerrilha de resistência à ocupação israelense do sul do Líbano de 1982. Depois, na moldura da Revolução do Cedro, firmou-se como partido popular dos xiitas libaneses, reunindo 500 mil pessoas numa demonstração pública e recebendo cerca de 15% dos votos nas eleições de 2005. Classificar o Hamas e o Hizbollah como organizações terroristas tem trágicas implicações lógicas.
Significa, quase inapelavelmente, caracterizar os palestinos e os xiitas libaneses como nações terroristas. Israel, amparado pela doutrina da "guerra ao terror", adotou essa orientação insensata, que se expressa como uma licença para matar civis e destruir as infra-estruturas públicas na Palestina e no Líbano. Os EUA suportam essas iniciativas militares, destroçando os resquícios de sua autoridade diplomática no mundo árabe.
No início da crise, Israel reuniu em torno de si um raro consenso internacional e as diversas correntes libanesas dispunham-se a isolar o Hizbollah. Mas a escalada de bombardeios, baseada na utopia sangrenta da eliminação das "organizações terroristas", reverteu o cenário. Daqui em diante, independente da evolução militar, o resultado político está definido: o terror venceu, ao tornar-se nação.


magnoli@ajato.com.br

DEMÉTRIO MAGNOLI
escreve às quintas-feiras nesta coluna.


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