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TENDÊNCIAS/DEBATES
Bizantinices
ROBERTO LUIS TROSTER
A palavra "bizantina" é usada para algo inutilmente complicado. É o caso das análises sobre o custo do crédito no Brasil
BIZÂNCIO, próxima às rotas comerciais mais importantes da
Antigüidade, foi o local onde se
fundiram as culturas de toda a Europa e do Oriente Próximo e ainda foi
influenciada pelas civilizações mais a
oriente. Não teve unidade cultural.
A arte bizantina consistiu numa
mistura de atributos romanos, helênicos, persas, armênios e de várias
outras fontes orientais. A palavra "bizantina" é usada, até os dias de hoje,
para algo inutilmente complicado. É
o caso das análises sobre o custo do
crédito no Brasil.
É um despropósito que um sistema
bancário sofisticado e eficiente, como
o brasileiro, tenha taxas de empréstimos tão elevadas. A causa é uma soma
de bizantinices: uma tributação inadequada, um quadro institucional obsoleto, uma dinâmica macroeconômica precária, depósitos compulsórios abstrusos e, principalmente, a
ausência de um diagnóstico correto.
Em uma situação ideal em que o lucro dos bancos fosse eliminado, em
que as instituições operassem sem
custos nem inadimplência, em que a
taxa Selic fosse zero e com aplicadores que não exigissem remuneração,
em uma operação de intermediação
de um mês, a taxa para o tomador, por
causa do PIS, Cofins, IOF, CPMF,
compulsório, IRF e FGC, seria de
29,40% ao ano. Um absurdo!
É fato corriqueiro que, com um
bom cadastro e cópias do CIC, do RG
e do comprovante de residência, o financiamento de um automóvel é concedido em menos de uma hora, ao
passo que o financiamento de uma
casa do mesmo valor demora mais de
um mês para ser aprovado e exige certidões, impostos e registros adicionais que custam cerca de 5% do preço
do imóvel. É um contra-senso.
De cada R$ 1 em depósitos à vista, o
banco só pode emprestar livremente
R$ 0,20; os R$ 0,80 restantes têm de
ser aplicados assim: R$ 0,45 em espécie no Banco Central, R$ 0,08 em títulos, R$ 0,02 em microcrédito e R$
0,25 em crédito rural a taxas subsidiadas. Essas aplicações a taxas abaixo
do custo funcionam como um imposto indireto que incide sobre os tomadores de crédito.
O Brasil tem uma das taxas mais
elevadas de concentração de renda do
mundo, mas, mesmo assim, tributa-se diretamente -com impostos- e
indiretamente -com depósitos compulsórios- os tomadores de crédito
dos bancos, encarecendo seu custo. É
um despautério.
Atualmente, os depósitos compulsórios no Banco Central do Brasil, de
R$ 155 bilhões, são superiores ao total
de empréstimos à indústria ou ao total dos créditos ao setor rural e imobiliário juntos. Não deve estranhar que
os créditos industrial, rural e imobiliário sejam caros e escassos.
É surpreendente que a taxa básica
de juros brasileira, a Selic, reduzida ao
nível mais baixo em mais de três décadas, continue, mesmo assim, sendo
uma das mais elevadas do mundo. É
insensato.
O quadro fiscal brasileiro assusta.
As vinculações de receita tributária, a
prodigalidade, as despesas supérfluas
e a racionalidade discutível dos gastos
públicos, por um lado, colocam a dívida pública numa dinâmica precária,
que inviabiliza a redução expressiva
da taxa de juros básica, e, por outro,
emperram a aceleração da taxa de
crescimento do PIB.
A execução de contratos no Brasil é
excessivamente formalista e tem uma
estrutura normativa defasada, cheia
de recursos protelatórios, fazendo
com que se desperdicem horas e horas de advogados talentosos, encarecendo o custo do crédito. Estatísticas
do Ministério da Justiça apontam que
o custo de execução de um contrato
de até R$ 500, quando é solucionado
na Justiça em menos de três anos, é,
em média, de 97,2% de seu valor. O
número fala por si.
O Império Bizantino durou mais de
mil anos, foi o baluarte mais importante da cristandade na Idade Média
e preservou boa parte dos conhecimentos do mundo antigo.
O Brasil começou como um império, é resultado de uma mescla de imigrantes de todos os cantos do mundo
e tem condições para crescer sustentadamente a taxas de crescimento altas. Para tanto, tem uma agenda extensa a cumprir, que inclui superar a
barreira do crédito.
É bizantino esperar de uma política
bancária que aumenta os depósitos
compulsórios e que eleva a alíquota
do PIS/Cofins uma redução expressiva das taxas de crédito. Também o é
culpar a Selic e o lucro dos bancos pelos empréstimos caros no Brasil, ignorando as demais causas. A superação da barreira do crédito demanda
um diagnóstico realista e a eliminação das bizantinices.
ROBERTO LUIS TROSTER, 55, doutor em economia pela
USP, é economista-chefe da Febraban (Federação Brasileira dos Bancos).
troster@febraban.org.br
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