São Paulo, quinta-feira, 03 de agosto de 2006

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TENDÊNCIAS/DEBATES

Bizantinices

ROBERTO LUIS TROSTER

A palavra "bizantina" é usada para algo inutilmente complicado. É o caso das análises sobre o custo do crédito no Brasil

BIZÂNCIO, próxima às rotas comerciais mais importantes da Antigüidade, foi o local onde se fundiram as culturas de toda a Europa e do Oriente Próximo e ainda foi influenciada pelas civilizações mais a oriente. Não teve unidade cultural.
A arte bizantina consistiu numa mistura de atributos romanos, helênicos, persas, armênios e de várias outras fontes orientais. A palavra "bizantina" é usada, até os dias de hoje, para algo inutilmente complicado. É o caso das análises sobre o custo do crédito no Brasil.
É um despropósito que um sistema bancário sofisticado e eficiente, como o brasileiro, tenha taxas de empréstimos tão elevadas. A causa é uma soma de bizantinices: uma tributação inadequada, um quadro institucional obsoleto, uma dinâmica macroeconômica precária, depósitos compulsórios abstrusos e, principalmente, a ausência de um diagnóstico correto. Em uma situação ideal em que o lucro dos bancos fosse eliminado, em que as instituições operassem sem custos nem inadimplência, em que a taxa Selic fosse zero e com aplicadores que não exigissem remuneração, em uma operação de intermediação de um mês, a taxa para o tomador, por causa do PIS, Cofins, IOF, CPMF, compulsório, IRF e FGC, seria de 29,40% ao ano. Um absurdo!
É fato corriqueiro que, com um bom cadastro e cópias do CIC, do RG e do comprovante de residência, o financiamento de um automóvel é concedido em menos de uma hora, ao passo que o financiamento de uma casa do mesmo valor demora mais de um mês para ser aprovado e exige certidões, impostos e registros adicionais que custam cerca de 5% do preço do imóvel. É um contra-senso.
De cada R$ 1 em depósitos à vista, o banco só pode emprestar livremente R$ 0,20; os R$ 0,80 restantes têm de ser aplicados assim: R$ 0,45 em espécie no Banco Central, R$ 0,08 em títulos, R$ 0,02 em microcrédito e R$ 0,25 em crédito rural a taxas subsidiadas. Essas aplicações a taxas abaixo do custo funcionam como um imposto indireto que incide sobre os tomadores de crédito.
O Brasil tem uma das taxas mais elevadas de concentração de renda do mundo, mas, mesmo assim, tributa-se diretamente -com impostos- e indiretamente -com depósitos compulsórios- os tomadores de crédito dos bancos, encarecendo seu custo. É um despautério.
Atualmente, os depósitos compulsórios no Banco Central do Brasil, de R$ 155 bilhões, são superiores ao total de empréstimos à indústria ou ao total dos créditos ao setor rural e imobiliário juntos. Não deve estranhar que os créditos industrial, rural e imobiliário sejam caros e escassos. É surpreendente que a taxa básica de juros brasileira, a Selic, reduzida ao nível mais baixo em mais de três décadas, continue, mesmo assim, sendo uma das mais elevadas do mundo. É insensato.
O quadro fiscal brasileiro assusta. As vinculações de receita tributária, a prodigalidade, as despesas supérfluas e a racionalidade discutível dos gastos públicos, por um lado, colocam a dívida pública numa dinâmica precária, que inviabiliza a redução expressiva da taxa de juros básica, e, por outro, emperram a aceleração da taxa de crescimento do PIB.
A execução de contratos no Brasil é excessivamente formalista e tem uma estrutura normativa defasada, cheia de recursos protelatórios, fazendo com que se desperdicem horas e horas de advogados talentosos, encarecendo o custo do crédito. Estatísticas do Ministério da Justiça apontam que o custo de execução de um contrato de até R$ 500, quando é solucionado na Justiça em menos de três anos, é, em média, de 97,2% de seu valor. O número fala por si.
O Império Bizantino durou mais de mil anos, foi o baluarte mais importante da cristandade na Idade Média e preservou boa parte dos conhecimentos do mundo antigo. O Brasil começou como um império, é resultado de uma mescla de imigrantes de todos os cantos do mundo e tem condições para crescer sustentadamente a taxas de crescimento altas. Para tanto, tem uma agenda extensa a cumprir, que inclui superar a barreira do crédito.
É bizantino esperar de uma política bancária que aumenta os depósitos compulsórios e que eleva a alíquota do PIS/Cofins uma redução expressiva das taxas de crédito. Também o é culpar a Selic e o lucro dos bancos pelos empréstimos caros no Brasil, ignorando as demais causas. A superação da barreira do crédito demanda um diagnóstico realista e a eliminação das bizantinices.


ROBERTO LUIS TROSTER, 55, doutor em economia pela USP, é economista-chefe da Febraban (Federação Brasileira dos Bancos).
troster@febraban.org.br


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