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RUY CASTRO
Expulsos da língua
RIO DE JANEIRO - Ainda sobre a
reforma ortográfica a entrar em vigor em 2008 e que se propõe a "unificar" a escrita no Brasil, em Portugal e nos países africanos onde a língua portuguesa disputa algumas
bocas com dezenas de dialetos locais. Exceto pela volta à legalidade
do "k", do "w" e do "y", continuo
sem entender a que ela virá.
Não me consta, por exemplo, que
nossos países escrevam certas palavras como enjôo, jibóia, desmilingüido e anti-social de forma diferente. Mas, pelo visto, é o que acontece. Daí que, a partir da "unificação", as ditas palavras se tornarão
enjoo, jiboia, desmilinguido e antissocial.
Pena que, para isso, o acento circunflexo, o agudo do ditongo aberto, o trema e o hífen, de tantos serviços prestados, tenham sido quase
que expulsos da língua. Mas imagino que, com essa medida, nossos
cadernos literários, que mal têm espaço para escritores brasileiros, poderão abrir suas páginas para a literatura do Timor Leste e da Guiné-Bissau.
E como ficam certas idiossincrasias lingüísticas como, digamos, o
nome Bahia? No Brasil, o "h" de Bahia sobreviveu graças a uma convenção. Mas, para os portugueses, a
Bahia sempre foi a Baía, mesmo
-talvez porque precisassem daquele "h" para escrever húmido.
Bem, agora que o "h" de húmido
caiu, eles também terão de escrever
Bahia?
Sem falar na confusão que se instalará por lá ante a queda do "c" mudo. Com isso, facto (acontecimento,
evento, realidade) passa a se escrever como fato (roupa, indumentária, traje). Pergunte a um inglês se
ele admite perder o "u" de "colour".
Essa reforma privilegia o português do Brasil, e não é por acaso que
Portugal hesita em assiná-la. Mas,
com a adesão e os votos de Cabo
Verde e São Tomé e Príncipe, o Brasil pode e vai aplicá-la na marra.
Que "unificação".
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