|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
TENDÊNCIAS/DEBATES
Espírito de porco
FRANCISCO DAUDT
Nunca imaginei que ser chamado de "espírito de porco" fosse algo de que, como você, leitor não lulista, eu iria me orgulhar
|
"Espírito de porco. Bras. 1. Pessoa que
interfere em qualquer negócio ou assunto, criando embaraços ou agravando
os já existentes"
(Do dicionário "Aurélio")
PREZADO SR . ministro da Saúde,
É como médico e como psicanalista que venho alertá-lo de
uma epidemia que pode ser tão grave
para seu governo quanto a gripe suína
-só que não atinge o corpo, atinge a
alma (psique, em grego, ou seja, é da
minha alçada)- e que está se alastrando: a do espírito de porco.
Minha observação epidemiológica
começou quando Nosso Guia disse
que aqueles que criticam o bolsa-esmola são imbecis.
Entrei em contato com uma quantidade enorme de pessoas que pensam como eu, que acham o bolsa-esmola um curral eleitoral, que a popularidade do presidente se sustenta no
assistencialismo, e este, na manutenção da pobreza, um dinheiro sem contrapartida eficiente, que não contribui para a independência financeira
das pessoas por meio da educação.
Percebi que não éramos propriamente imbecis. Estávamos, sim, contaminados pelo vírus da doença. Nós
éramos os espíritos de porco. Pelo
"Aurélio", nós queríamos interferir,
criando embaraços em assunto já
existente.
Qual assunto? É uma outra doença
psicológica, de alto contágio, só que
extremamente favorável ao governo.
Trata-se do legado que Lula deixará: cinismo; palavras de ontem que
não valem hoje; apatia; impotência do
cidadão comum; tributos escorchantes que sustentam sua máquina aparelhada de governo, seu assistencialismo, sua vaidade e sua inapetência
para governar; esbulho de valores éticos; impunidade aos aloprados, mensalistas e companheiros dos "movimentos sociais"; acusações sobre
quem divulga seus erros (a mídia); ensaios de controle autoritário sobre
ela; desqualificação do Legislativo;
subjugação de seu próprio (suposto)
partido; divisão do país entre pobres e
a "zelite"; entre negros e brancos;
apropriação das benfeitorias de outros governos; varrer seus erros sob o
vasto tapete da herança maldita; aparelhamento do Estado; clímax do patrimonialismo (apropriação do que é público pelo indivíduo que detém poderes, também chamado furto); desencadeamento da mais deslavada
campanha presidencial fora de prazo
legal feita com nosso dinheiro (vai ter
direito a "O filho da D. Lindu" antes
das eleições?); alegação de um desconhecimento de malfeitorias, tão hipócrita quanto impossível; mais impunidade, "porque todos fazem o mesmo", com uma única finalidade: manter-se no poder a qualquer custo.
(Ministro, isso não se parece com a
doença venezuelana?)
Devo dizer que aqui estou contaminado pelo vírus, em pleno exercício
do espírito de porco, querendo atrapalhar o legado de Nosso Guia.
Porque ele é moralmente nocivo ao
país.
Pedro Aleixo, vice de Costa e Silva,
foi o único a recusar-se a assinar o AI-5. "O sr. teme que o presidente faça
mal uso desse instrumento?" Respondeu: "Não. Eu temo o guarda da
esquina. Quando a moral se deteriora
a partir do presidente, ela contamina
até o guarda. E este eu temo".
Procurei detectar o público-alvo
dessa epidemia: são cidadãos trabalhadores; honestos; pagadores de impostos (e que impostos!); respeitadores da lei; construtores da prosperidade do país; cultivadores de coisas tais
como honra, probidade e decência;
empreendedores; democratas; defensores dos direitos das minorias, da
propriedade privada e dos contratos
honrados; respeitadores de plantações de eucalipto (apesar de não comestível, ele é ecológico e bom gerador de empregos); pais que querem
seus filhos bem educados, sem catequeses ideológicas financiadas com
nosso dinheiro.
Enfim, sr. ministro, somos nós, que
o seu governo considera secretamente a escumalha da terra, mas que tolera enquanto sustentamos vocês.
Descobri que temos companhias
ilustres. A mais notória delas hoje é a
ex-secretária da Receita, Lina Vieira,
exemplar espírito de porco que arrancou a máscara cirúrgica que disfarçava as feições autoritárias da ministra
(retornaram, apesar da plástica), sem
esquecer seus 12 demissionários.
Também Marina Silva e o senador
Arns, grandes espíritos de porco. E
até no PT o vírus deu o ar de sua graça,
no cartão vermelho do senador
Eduardo Suplicy, e por pouco não pega o pobre Mercadante.
Pois até o reverso pinado da TAM
(que tanta alegria deu ao assessor
"top, top, top") revelou-se um espírito
de porco, derrubando o ministro da
Defesa, a diretoria da Anac, reformando aeroportos etc.
Pois é, sr. ministro, apesar de velho,
nunca imaginei que ser chamado de
"espírito de porco" fosse algo de que,
como você, leitor não lulista, eu iria
me orgulhar.
FRANCISCO DAUDT , 61, médico e psicanalista, é colunista da Revista da Folha . É autor, entre outras obras, de "O
Aprendiz de Liberdade" (Cia. das Letras).
Os artigos publicados com assinatura não traduzem a opinião do jornal. Sua publicação obedece ao propósito de estimular o debate dos problemas brasileiros e mundiais e de refletir as diversas tendências do pensamento contemporâneo. debates@uol.com.br
Texto Anterior: Frases
Próximo Texto: David Uip, José Otávio Costa Auler Junior e Marcos Boulos: A (H1N1): uma lição para a segunda onda
Índice
|