São Paulo, sexta-feira, 03 de setembro de 2010

Próximo Texto | Índice

Editoriais

editoriais@uol.com.br

Iraque, ano zero

Estados Unidos deixam país em situação difícil após sete anos de uma invasão militar que teve elevados custos humanos, políticos e morais

"Da queda de Saddam até agora, nada mudou. Pelo contrário. Nós continuamos andando para trás." A frase de um cidadão iraquiano ouvido nesta semana pelo jornal "The New York Times" mostra que, após sete anos e meio de presença militar americana, o Iraque ainda tem pela frente um longo caminho de reconstrução.
Para alguns, a guerra, iniciada sob acusações falaciosas de George W. Bush (2001-2009), teria beneficiado o país com a derrubada da ditadura de Saddam Hussein, que governou entre 1979 e 2003. É fato que a incipiente democracia iraquiana pode se transformar em auspiciosa realidade; mas essa possibilidade de nenhuma maneira justifica invasão militar unilateral com elevados custos humanos, materiais, políticos e morais.
Diminuíram, é verdade, os conflitos fratricidas entre os muçulmanos sunitas, que foram beneficiados sob Saddam e se tornaram a elite governante do país, e os xiitas, em maioria, mas reprimidos durante a ditadura. A queda no número de atentados e vítimas só se verifica no entanto se tomarmos como parâmetro o auge da violência, em 2006, antes do aumento das tropas dos EUA que antecedeu a retirada.
Ações como as da semana passada, que mataram 83 pessoas, mostram que o país está longe de controlar os insurgentes -e alimentam as incertezas sobre a capacidade iraquiana de impedir novas ondas de terrorismo.
O Iraque enfrenta graves problemas de infraestrutura. A água e a eletricidade são escassas e, no território que guarda a terceira maior reserva de petróleo do mundo, as longas filas nos postos de abastecimento de combustível são uma amarga ironia.
O quadro é agravado pelas indefinições políticas: desde as eleições realizadas em março, quando a participação popular foi celebrada como sinal de apreço ao novo regime, os partidos foram incapazes de formar um governo.
O atual primeiro-ministro, Nuri al Maliki, cuja sigla, majoritariamente xiita, obteve a segunda maior bancada, nega-se a ceder o poder a Iyad Allawi, líder da agremiação vitoriosa - que congrega xiitas e sunitas. A diferença de apenas dois assentos entre as bancadas contribui para o impasse.
Situações como essa levantam mais dúvidas sobre a validade de um conflito que, num país de 29 milhões de habitantes, arrancou a vida de cerca de 100 mil civis, 20 mil insurgentes e 15 mil soldados, entre iraquianos, americanos e outros membros da coalizão.
Dias após derrubar o regime de Saddam, o presidente Bush discursou sob uma faixa com os dizeres "Missão Cumprida". Desde então foram necessários sete anos de sangrento conflito até que os EUA pudessem, enfim, deixar o Iraque.
No discurso em que marcou o fim das operações de combate, na terça-feira, Barack Obama, eleito entre outras razões por sua firme oposição ao conflito, considerou que "os americanos que serviram no Iraque completaram todas as missões que lhes foram dadas".
Os próximos anos mostrarão se a fala do atual presidente dos EUA é tão ilusória quanto a faixa que pairou sobre seu antecessor.


Próximo Texto: Editoriais: A Copa em Itaquera

Índice



Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.