|
Próximo Texto | Índice
O PAPA E O ABORTO LEGAL
A visita do papa João Paulo 2º ao
Brasil talvez venha a servir como pretexto ou instrumento de uma ofensiva contra o projeto, em tramitação no
Congresso, que obriga os hospitais
públicos a realizar o aborto nos casos previstos por lei.
A condenação do aborto, em qualquer circunstância, ocupa lugar de
destaque na agenda da visita papal,
dedicada em grande parte à "defesa
da família". Segundo consta, ele pedirá ao presidente Fernando Henrique Cardoso o veto à lei que autoriza
a interrupção da gravidez decorrente
de estupro ou que coloque em risco a
vida da gestante.
É preciso desde já desfazer um equívoco. O papa tem todo o direito de se
dirigir a seus fiéis para reforçar as
crenças da Igreja Católica, da qual é o
chefe supremo. Isso não significa,
entretanto, que deva interferir na
condução das leis e do Estado brasileiro, que é laico e deve se pautar por
princípios republicanos.
A primeira-dama Ruth Cardoso,
que vinha evitando se posicionar publicamente a respeito do aborto legal
desde que a polêmica surgiu, há dois
meses, manifestou-se, enfim, de modo hábil ao dizer que "esse é um
problema da sociedade brasileira".
Problema da sociedade é mesmo a
expressão correta na medida em que
o direito ao aborto legal no Brasil é
hoje um privilégio das mulheres que
podem recorrer a hospitais privados.
Talvez exatamente por estar prevendo os efeitos da cruzada antiaborto
liderada pelo papa sobre os parlamentares, a primeira-dama tenha dito, numa tirada de efeito, que "a relação entre o Congresso Nacional e o
papa é zero". É sabido que não é,
mas a frase aponta para o imperativo
de que o teor das leis não deve ser
determinado, a priori, por crenças
religiosas, que dizem respeito a
questões de consciência -individuais, portanto. De outro modo, podem vir a ser feridos os princípios republicanos da universalidade e da
igualdade de direitos.
Próximo Texto | Índice
|