São Paulo, domingo, 03 de novembro de 2002

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ELIANE CANTANHÊDE

Contagem regressiva

BRASÍLIA - Depois de tudo o que se disse de positivo sobre o processo de transição, já vale um balanço. E o saldo não parece tão positivo assim.
O momento é grandioso, o mundo aplaude. Mas o resultado disso é que o governo FHC começa a acabar dois meses antes, o governo Lula passa a gastar capital político e a "lua-de-mel" termina antes do tempo.
FHC dá entrevistas alardeando uma contabilidade altamente favorável aos seus dois mandatos. Mas e o governo? O que andam fazendo os ministros? Que decisões têm tomado? Se as há, ninguém sabe, ninguém vê.
Lula continua saltitante, em ritmo de campanha. Percebe-se até um ar de deslumbramento em gestos, trejeitos. Mas e o PT? E o presidente do partido, José Dirceu? A equipe de transição? Os líderes? Estão já se digladiando com os neo-aliados e com os neo-oposicionistas. Sem saber qual dos dois pode ser mais corrosivo.
Na comparação, FHC se comporta como o estadista que recebe a TV Globo no Alvorada, enquanto Lula age como o candidato que pula de programa em programa na Globo e dá uma passada pelos demais canais.
FHC está na dele, a caminho de um lugar de honra para ver e comentar de bife acebolado a novo governo. Já Lula deveria parar e pensar. Tudo bem que festa é festa, povo é povo, e ninguém quer ser rabugento. Mas mito também é mito, e esse é o grande capital de Lula. O presidente não pode virar o gorducho simpático e barbudo igual ao dali da esquina.
A contagem é regressiva. Para FHC desacelerar e para Lula acelerar. Não pode perder em aura nem sofrer parte do desgaste do PT nas intensas negociações de temas nada simpáticos: salário mínimo, superávit primário, FMI, impostos. Seu governo ainda nem começou.
Enquanto a transição mais democrática da história se resumia a fotos, cenas, abraços e sorrisos, estava tudo muito bem. Mas ela começa a ser mais concreta, objetiva e, portanto, difícil. Convém a Lula e ao PT se preservarem. Até porque a foto que realmente interessa é outra: a da posse.


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