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TENDÊNCIAS/DEBATES
Desassistência ao dependente químico
RONALDO LARANJEIRA
A nova lei para lidar com o usuário de drogas, assim como a anterior, é cheia
de boas intenções, mas não muda a realidade
MUITA ESPERANÇA foi criada
com a aprovação da lei nš
11.343/2006, que estabelece
novo arcabouço jurídico para lidar
com o usuário de substâncias ilícitas.
Ela trouxe alguns poucos avanços, entre os quais estão a despenalização do
usuário e maiores penas para os traficantes. Porém, a esperança termina
quando pensamos na realidade dos
milhões de brasileiros que usam álcool e drogas e necessitam de ajuda.
Essa nova lei, assim como a anterior, é cheia de boas intenções, mas
não muda a realidade. A política do
Ministério da Saúde para prevenção e
tratamento dos dependentes químicos tem sido de omissão no atacado e
desorientação no varejo. E não se trata de fazer uma crítica ao atual governo, pois a mesma equipe está nessa
função há quase dez anos.
No atacado, não há nada que mais
remotamente poderíamos chamar de
uma política, com os respectivos recursos, para enfrentarmos os desafios
da prevenção e do tratamento.
Especificamente na prevenção, não
é possível encontrar nenhum programa financiado pelo governo federal
que inove e traga alguma expectativa
para a família brasileira.
Não temos programas preventivos
nas escolas. Não temos programas de
apoio ao adolescente em situação de
risco, como aqueles que abandonaram a escola ou que tiveram algum
problema com a lei. Não temos programas de apoio às famílias que tenham alguém com problemas com álcool e drogas antes de precisarem de
tratamento psiquiátrico.
Ao conversar com professores e
pais, sentimos o desamparo. A comunidade busca compensar a falta de
apoio. Indivíduos e instituições tentam os mais variados programas que
eventualmente teriam efeito preventivo. Mas são esforços com efeitos incertos, pois carecem de consistência
técnica e têm incertezas quanto à
continuidade por falta de dinheiro.
Não vamos progredir somente com
o voluntarismo e os esforços isolados.
Precisamos de direção e fonte constante de financiamento. Os poucos
programas de prevenção que existem,
financiados pelo Ministério da Saúde,
adotam a política de redução de danos. Um exemplo é fornecer cachimbos "seguros" para usuários de crack.
Esse tipo de ação, que não tem evidência nenhuma que funcione, é o
que recebe mais recursos públicos.
Se na prevenção não temos nada -e
é justo dizer que nunca houve nada-,
na área de tratamento estamos pior
que antes.
Dados do próprio SUS, compilados
pela Associação Brasileira de Psiquiatria, mostram que o dinheiro para a
saúde mental, no geral, diminuiu em
60% do orçamento da saúde. Essa
economia ocorreu porque fechamos
80 mil leitos psiquiátricos e restam
somente 40 mil leitos abertos, que
são muito mal remunerados e oferecem uma assistência de péssima qualidade para a população. Temos menos leitos psiquiátricos do que países
como a Itália, que promoveram verdadeira guerra contra a internação
para o doente mental.
Não houve a apropriada ampliação
da rede de assistência psiquiátrica ao
dependente químico. Foram criados
em todo o país cerca de 80 centros de
tratamento, a maioria deles com profissionais com pouco treinamento e
baixo número de atendimentos.
Saímos de uma assistência baseada
no hospital de péssima qualidade e fomos para uma assistência ambulatorial ridiculamente insuficiente e de
péssima qualidade. A única possibilidade de tratamento por internação
são as comunidades terapêuticas que
não recebem dinheiro do SUS.
Desconsidera-se que as pessoas que
ficam dependentes de alguma substância padecem de uma doença chamada dependência química. Essa
doença provoca imenso sofrimento a
milhões de brasileiros, que acabam
tendo como opção de tratamento os
grupos de auto-ajuda, como Alcoólicos Anônimos e Amor Exigente, entre
outros. Como exemplo, o Amor Exigente possui mais de mil grupos espalhados pelo Brasil que atendem 80
mil famílias por semana -sem receber nenhum incentivo do governo.
Para que a esperança deixe de ser
um sentimento ingênuo e passe a ser
uma resposta de uma sociedade democrática e amadurecida, precisamos: 1) de um Ministério da Saúde
com compromisso com a saúde pública na área de álcool e drogas; 2) de um
plano preventivo de longo prazo com
fonte clara de financiamento compatível com a dimensão do problema; 3)
que as ações preventivas sejam baseadas em evidências científicas, e não na
visão ideológica do ministério; e 4)
que seja um direito de toda família
brasileira que tenha algum dependente químico receber as melhores
orientações e tratamento disponível.
RONALDO LARANJEIRA, 49, doutor em psiquiatria pela
Universidade de Londres, é professor de psiquiatria e
coordenador da Unidade de Pesquisa em Álcool e Drogas
da Unifesp (Universidade Federal de São Paulo).
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