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MARIA SYLVIA CARVALHO FRANCO
Tempo e poder
AS FIGURAS do tempo efêmero e fatídico são a antítese de seu controle político,
que visa eternizar-se. O moderno
domínio dessa esfera pelo homem
implica concebê-la como interiorizada e produtiva. Tal apropriação
só é possível porque se desentranha, entre prática humana e temporalidade, uma exata medida comum, mediante a qual é possível
nelas introduzir o cálculo e conjugá-las. Dividem-se as horas, dividem-se os afazeres, articulam-se as
duas séries.
Nessas operações, importa notar
que a segmentação do fluxo temporal determina-se em atos do pensamento. O tempo concebido como
um "continuum" potencialmente
divisível ao infinito, em instantes
escandidos mediante operações
inteligíveis, ajusta-se ao ideário expresso no Della Famiglia, de J.B.
Alberti, artista e teórico seminal da
cultura moderna, leitor de Aristóteles como os personagens de seu
diálogo. Aristóteles, justamente,
soluciona a dificuldade da divisão
efetiva do tempo, que o anularia,
passando para sua potencialidade,
convertendo-a em operação noética. (V. Goldschmidt).
Igual estrutura do tempo subjaz
às tentativas contemporâneas de
planejar a vida social e econômica.
O próprio homem é concebido, no
capitalismo, como tempo: não é o
trabalho, por si, que produz valor,
mas o tempo de trabalho (fixado no
curso histórico), cuja duração completa (por ex., um dia) é divisível
em necessário (à subsistência do
trabalhador) e excedente (que
acresce o capital). Todo o movimento do sistema se determina no
tempo divisível em seus circuitos:
quanto maior a duração do capital
no processo produtivo, fonte do valor, maior sua ampliação; quanto
mais os circuitos da circulação
(que se estende para rendas e juros) demoram a fechar-se, menor a
expansão possível. Se assim é, a
promessa de crescimento, num sistema que empenha o futuro, preso
ao capital financeiro inflado e anômalo, prisioneiro da liquidez internacional, cujos ganhos inibem ou
expulsam os investimentos produtivos nacionais, não passam de má
retórica, propaganda.
Fala-se em "acelerar o tempo".
Qual tempo? O da produção? Como seria isso possível se "o mercado" é o fetiche que se cultua -árbitro que pune ou recompensa, potência autônoma que "honra" seus
atos- no delirante discurso sobre
o dinheiro sem mediação com os
processos reais, sem nexos aparentes com o movimento conjunto do
capital? Mas sua remuneração não
brota do nada, sai da riqueza produzida, oferecida à devoração, sem
retorno para renovar-se. Nenhum
pensamento vive de tagarelice: a
mudança socioeconômica pressupõe uma base reflexiva criando saber tecnológico, independência
econômica, liberdade política e autonomia ética em nosso "povo soberano".
sylvia.franco@uol.com.br
MARIA SYLVIA CARVALHO FRANCO escreve às
quintas-feiras nesta coluna.
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