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"E la nave va"
Depois de campanha baseada em obras e promessas, prefeitos improvisam discurso de austeridade na posse
MUDAM os tempos. A
imagem que fica
das campanhas
eleitorais de 2008,
para quem ainda se lembra, pode
resumir-se numa única mensagem: "Mais do mesmo será feito". Pouca diferença havia a notar no discurso dos candidatos:
na maior parte das vezes, a disputa se concentrou em torno do
número de vias asfaltadas, de
postos de saúde, escolas e creches construídas ou a construir.
Nada há de espantoso em tantas menções a obras realizadas
ou prometidas. O problema é
que, com isso, dissolve-se numa
espécie de "produtivismo administrativo" o debate real sobre as
opções políticas a tomar, e estas,
cedo ou tarde, revelam-se menos
consensuais do que fazia prever
o marketing eleitoral.
Os prefeitos que assumem em
2009 já se distanciam, ao que tudo indica, do roteiro traçado na
campanha de alguns meses atrás.
Predomina, já na posse dos governantes das principais cidades
brasileiras, o discurso da contenção de despesas e das medidas
simbólicas de austeridade.
Os gastos em todas as áreas serão congelados em São Paulo, assegura o prefeito Kassab, com a
exceção (nada desprezível) dos
projetos em saúde, transporte e
educação. Cabe indagar, entretanto, como se comportarão
diante dessa anunciada austeridade as lideranças políticas que
se beneficiaram, em São Paulo,
do amplo loteamento das secretarias municipais -cujo número, na contracorrente das demais
capitais, cresceu de 21 para 27
nos últimos meses.
Kassab afirmou, em seu discurso de posse, que será preciso
"navegar com cautela" nas águas
da crise; mas a festa promete ser
animada nos muitos camarotes
reservados do seu transatlântico.
Seria de todo modo criticado, e
com razão, o administrador público que não refizesse seus planos administrativos diante dos
generalizados indícios de uma
queda de arrecadação ao longo
dos próximos meses.
O precedente dos discursos
eleitorais não confere, todavia,
maior credibilidade aos pronunciamentos de agora. Não se falava em controle de gastos, muito
menos em mudanças na estrutura tributária, durante a campanha de 2008.
A euforia de então se revela
conjuntural, os eleitos se adaptam à nova realidade, promessas
se engavetam, e por mais incerto
que seja o futuro, ao menos um
ensinamento pode ser delineado
de toda a comédia melancólica.
É que, no processo eleitoral
brasileiro, o puro marketing
substituiu a discussão política;
com isso, na hora das decisões
que realmente contam, tudo se
reconfigura segundo critérios
sem transparência e discursos
rapidamente alinhavados para
acompanhar a nova ocasião.
Em vez de "mais do mesmo",
passa-se a falar em "menos do
mesmo". Na frase de Kassab, é
hora de "navegar com cautela".
Na crise ou na bonança, entretanto, a mentalidade essencial de
improvisação não muda, e cabe
defini-la com outra frase curta,
tirada do universo fantasioso de
Fellini: "E la nave va".
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