São Paulo, segunda, 4 de janeiro de 1999

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Sobre jarros, cores e aves

JOSIAS DE SOUZA

São Paulo - O que é a Presidência? Quais os seus poderes e limites? Ela é a morada dos extremos. É o céu e o inferno. O concreto e o abstrato. A força e a impotência.
A Presidência é um jarro transparente. Muda de cor conforme o conteúdo que se lhe despeje. Sob Sarney, tinha o tom da fisiologia; sob Collor, era furta(-cor); sob Itamar, tinha a coloração do improviso.
O jarro de FHC está pela metade. Em 95, quando assumiu, parecia condenado ao sucesso. O mundo oferecia-lhe crédito. O Brasil saudava-lhe o último feito. Acabara de domar a inflação.
Reassume em meio a outro cenário. Foi-se o mundo do dinheiro farto. O Brasil cobra resultados em outras áreas.
O senso comum diria que a Presidência pode tudo. Mas a verdade é que o presidente é como folha de árvore, sujeita aos humores de cada estação.
Na boca da rampa, grita para a choldra: não serei gerente da crise. Eu a resolverei. Na solidão de sua cadeira, gerencia o acaso. E chora os efeitos de maremotos que engolfaram o governo: México, Ásia, Rússia...
À luz do sol, arrota independência, vangloria-se de compor equipes quase no isolamento; promete empregos e justiça social. À sombra, engole Zequinhas e Renans; vela pelos juros e pelos cortes.
A Presidência é, fundamentalmente, aquilo que seus titulares fazem dela. Noves fora os erros, FHC havia tingido a primeira metade do jarro com o colorido do real. Ao jogar-se sofregamente no projeto da reeleição, apostou a própria biografia.
Ei-lo agora metido no segundo mandato. Ou arrosta o desafio de amenizar a mazela social do país ou esse será o seu Vietnã. E não terá à disposição nem mesmo a velha muleta de pôr a culpa no antecessor.
A missão é duríssima. Não é coisa para tucano. É tarefa para carcará, aquela ave que pega, mata e come.



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