São Paulo, sexta-feira, 04 de março de 2011

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TENDÊNCIAS/DEBATES

Direitos humanos não negociáveis

CAMILA ASANO e LUCIA NADER


Vemos nas declarações de Dilma uma oportunidade de ampliar o debate público sobre os rumos a serem traçados pelo Brasil no cenário mundial

São bem-vindas as declarações da presidente Dilma Rousseff de que os direitos humanos não são negociáveis na política externa brasileira. É também bem-vindo o interesse da sociedade pelo tema.
A crescente importância do Brasil no cenário internacional é acompanhada do aumento de deveres quanto aos direitos fundamentais.
Se, antes, calar-se diante de violações em outros países poderia passar despercebido, hoje há maior responsabilidade e expectativa pelo posicionamento brasileiro.
Soma-se a isso a prevalência dos direitos humanos em relações internacionais ser um princípio definido pela Constituição Federal (art. 4º), não opção de governantes.
Entretanto, questões evocadas durante o governo Lula continuam em debate: como se posicionar sobre direitos humanos em outros países sem ser seletivo? A diplomacia silenciosa é mais eficaz que a condenação explícita a regimes notoriamente violadores?
É crucial que o Brasil denuncie a seletividade que, em muitos casos, é fruto de interesses de grandes potências. Por que, apenas como exemplo, violações na Arábia Saudita, em Guantánamo ou mesmo no Egito não recebem o mesmo tratamento da ONU se comparadas ao Irã e à Coreia do Norte?
O Brasil, porém, também é seletivo. Com razão, apoia resoluções da ONU sobre abusos nos territórios palestinos ocupados e não hesita em pedir o restabelecimento da democracia em Honduras. Mas absteve-se sobre violações no Irã, na Coreia do Norte e em Mianmar e se calou sobre Cuba e Venezuela.
Solucionaria dar o mesmo tratamento a todos os países que violam direitos humanos?
Essa é uma opção perigosa e que iguala democracias que, apesar de imperfeitas, buscam zelar por esses direitos com países autoritários, em que a lei respalda violadores. Como combater a seletividade sem cair em uma generalização paralisante?
Critérios poderiam minimizar motivações ideológicas ou políticas, tais como o grau de abertura do país ao diálogo com a comunidade internacional, o fornecimento de informações confiáveis e o compromisso de apurar fatos e responsabilizar violadores.
Em casos em que o Brasil se omitiu, alegou o emprego da diplomacia silenciosa e do diálogo cooperativo. No entanto, a história nos lembra do valor da pressão internacional -em alto e bom som- para o fim do apartheid e de ditaduras na América Latina.
Se apenas silenciosa, a diplomacia dá margem à conivência e enfraquece o multilateralismo. Não há respostas fáceis diante da complexidade da ordem internacional e da responsabilidade de proteger os direitos humanos.
Vemos nas declarações de Dilma e no interesse da sociedade brasileira uma oportunidade de ampliar o debate público sobre os rumos a serem traçados pelo Brasil no mundo. Membro do Conselho de Direitos Humanos e do Conselho de Segurança da ONU, o Brasil deve rever posições. O desafio está posto para os formuladores da política externa, na esperança de que as declarações da presidente não sejam retóricas.

CAMILA ASANO, 27, é mestre em ciência política pela USP e professora da Faap.
LUCIA NADER, 33, é mestre em ciência política pelo Instituto de Estudos Políticos de Paris - Sciences Po. As autoras integram a ONG Conectas Direitos Humanos e o Comitê Brasileiro de Direitos Humanos e Política Externa.

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