São Paulo, sexta-feira, 04 de abril de 2008

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

Gestos e sinais

O JARGÃO econômico é pródigo não apenas em termos de sentido técnico, mas também em palavras corriqueiras, que assumem uma aura quase mística de ambigüidade e de promessa.
"Sinalizar" é uma delas. Divulga-se agora, por exemplo, que o Ministério da Fazenda pensa aumentar os cortes no Orçamento deste ano, para "sinalizar" ao mercado sua preocupação com o aquecimento da demanda.
O problema desse gênero de "sinalizações" é que tendem muitas vezes a supor, da parte dos "sinalizados", capacidades inusitadamente baixas de acuidade analítica. Preconizando um corte adicional de R$ 19,5 bilhões, o ministro Guido Mantega emite uma mensagem que esclarece menos a respeito do futuro da economia do que de sua disposição para desempenhar o papel inglório a que se tem dedicado nos últimos tempos.
A saber, o de tentar dissuadir o Banco Central de aumentar a taxa de juros. O ministro Mantega tem procurado aventar fugazes alternativas ao fervor ortodoxo ali vigente. Foi o caso de sua idéia de diminuir o prazo do crédito ao consumidor, logo desautorizada pelo presidente Lula.
Surge agora a proposta de novos cortes no Orçamento. Para que essa "sinalização" fosse eficaz, seria necessário que o mercado, e o próprio Banco Central, acreditasse que a contenção de gastos planejada seria de fato duradoura. Rotineiramente, entretanto, as despesas governamentais têm sido apenas represadas até o final do ano, quando se dá a liberação geral.
Seria preciso, ademais, que se ignorassem os altos índices de arrecadação acumulados pela Receita, os quais afastam as previsões de que novos cortes seriam inevitáveis para a manutenção da poupança fiscal.
A proposta de mais redução nos gastos públicos se torna, desse modo, menos uma sinalização eficaz do que uma iniciativa inócua, a exemplo das já esboçadas pelo ministro Mantega nas áreas cambial e creditícia. Em meio à ortodoxia monetária vigente, o ministro se debate; mas seria difícil dizer que seus gestos "sinalizem" mais do que uma triste escassez de alternativas.


Texto Anterior: Editoriais: Sindicalismo estatal
Próximo Texto: São Paulo - Clóvis Rossi: Os juros sagrados
Índice



Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.