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Gestos e sinais
O JARGÃO econômico é pródigo não apenas em termos de sentido técnico,
mas também em palavras corriqueiras, que assumem uma aura
quase mística de ambigüidade e
de promessa.
"Sinalizar" é uma delas. Divulga-se agora, por exemplo, que o
Ministério da Fazenda pensa aumentar os cortes no Orçamento
deste ano, para "sinalizar" ao
mercado sua preocupação com o
aquecimento da demanda.
O problema desse gênero de
"sinalizações" é que tendem
muitas vezes a supor, da parte
dos "sinalizados", capacidades
inusitadamente baixas de acuidade analítica. Preconizando um
corte adicional de R$ 19,5 bilhões, o ministro Guido Mantega
emite uma mensagem que esclarece menos a respeito do futuro
da economia do que de sua disposição para desempenhar o papel inglório a que se tem dedicado nos últimos tempos.
A saber, o de tentar dissuadir o
Banco Central de aumentar a taxa de juros. O ministro Mantega
tem procurado aventar fugazes
alternativas ao fervor ortodoxo
ali vigente. Foi o caso de sua idéia
de diminuir o prazo do crédito ao
consumidor, logo desautorizada
pelo presidente Lula.
Surge agora a proposta de novos cortes no Orçamento. Para
que essa "sinalização" fosse eficaz, seria necessário que o mercado, e o próprio Banco Central,
acreditasse que a contenção de
gastos planejada seria de fato duradoura. Rotineiramente, entretanto, as despesas governamentais têm sido apenas represadas
até o final do ano, quando se dá a
liberação geral.
Seria preciso, ademais, que se
ignorassem os altos índices de
arrecadação acumulados pela
Receita, os quais afastam as previsões de que novos cortes seriam inevitáveis para a manutenção da poupança fiscal.
A proposta de mais redução
nos gastos públicos se torna, desse modo, menos uma sinalização
eficaz do que uma iniciativa inócua, a exemplo das já esboçadas
pelo ministro Mantega nas áreas
cambial e creditícia. Em meio à
ortodoxia monetária vigente, o
ministro se debate; mas seria difícil dizer que seus gestos "sinalizem" mais do que uma triste escassez de alternativas.
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