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RUY CASTRO
Nuvem na parede
RIO DE JANEIRO - Um dia, Danuza Leão me disse que preferia casar com jornalistas porque eles
eram safos, saíam tarde do trabalho
e, ao chegar em casa, contavam os
bastidores das notícias. Isso descreve os três homens com quem ela foi
historicamente ligada: Samuel
Wainer, Antonio Maria e Renato
Machado. Mas, pelo menos até há
pouco, a maioria dos jornalistas
correspondia a essa descrição.
Estivesse hoje a fim de casar de
novo, Danuza não teria tanta escolha, pelo menos aqui no Rio. Desde
quarta-feira, por exigência do Sindicato dos Jornalistas do Rio de Janeiro, repórteres, redatores, fotógrafos, diagramadores etc. estão
obrigados a assinar o ponto ao entrar e ao sair de suas redações.
Com isso, ficamos avisados: se
um carioca cometer algo que se
possa chamar de notícia, que seja
dentro das oito horas do expediente
dos profissionais. E, de preferência,
não nos 60 minutos reservados ao
almoço ou descanso remunerado
embutidos nas sagradas oito horas.
Fora desse turno, o repórter estará
na lei se não tomar conhecimento
do assunto, poupando o patrão de
pagar-lhe as horas extras previstas
pelo sindicato.
Há anos, num congresso da categoria, um repórter de festejada revista semanal disse que o jornalismo era uma profissão "como outra
qualquer". Pedi vênia para discordar. Aleguei que, encerrada a jornada, um tocador de oficlide, um
amestrador de pulgas ou um taxidermista volta para casa, retoma
sua condição humana e se desliga
de sua profissão. O jornalista não.
Como sua matéria-prima é a informação, principalmente a que entra, ele não desliga nunca. O bombardeio não para. Até quando dorme e sonha ele recebe informações.
Logo, não é uma profissão como outra qualquer. Impor relógio de ponto ao jornalista é como querer espetar uma nuvem na parede.
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