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EMÍLIO ODEBRECHT
O abandono da história
QUEM VIAJA pelo interior do
Brasil se divide entre dois
sentimentos: o encanto com
o nosso rico patrimônio histórico e
a tristeza pelo estado de quase
abandono de antigas igrejas, das
construções coloniais e dos monumentos.
Chamo a atenção para este fato
por entender que destas edificações emana a sensação de pertencermos a uma comunidade cívica
única e porque o patrimônio histórico de um país precisa sobreviver
ao tempo, sobretudo, para que este
país também seja capaz de tanto.
Os alicerces das capelas, conventos, paços, engenhos e casarões senhoriais que ainda se mantêm de
pé nas terras de Minas Gerais, Bahia e Pernambuco, principalmente, são expressões simbólicas dos
alicerces de nossa nacionalidade.
Preocupo-me em particular com
as edificações coloniais não só por
sua antiguidade, mas porque são os
primeiros exemplares de uma produção artística e arquitetônica genuinamente brasileira.
O risco que correm de desaparecer é também consequência de alguns vícios de nossa administração
pública. O compromisso de lutar
pela preservação da memória nacional é de todos, mas a eficácia das
ações depende da articulação entre
União, Estados e municípios. E nos
municípios dificilmente o tema faz
parte das agendas de governo.
Os órgãos responsáveis pelo nosso patrimônio histórico são siglas
distantes da realidade das cidades
do interior, onde as coisas se deram
e onde estão as marcas do passado.
Sem desmerecer os esforços de
entidades federais como o Iphan
(Instituto do Patrimônio Histórico
e Artístico Nacional), penso que
são as comunidades locais as maiores interessadas e responsáveis pela manutenção de seus monumentos. Capacitá-las e assegurar-lhes
os recursos necessários é o procedimento que falta.
O fato é que as pequenas cidades
brasileiras não cultivam e não
compartilham a própria história.
Faltam políticas públicas neste
sentido. Quando os desastres acontecem e as perdas são irreparáveis,
há o clamor, que não reconstrói e
nem sequer tem servido para reorientar os caminhos.
No interior do Nordeste a memória mais viva, recheada de fatos
e lendas, é a do coronelismo, fenômeno sociopolítico que marcou
aquela região, principalmente na
primeira metade do século 20. É o
que as cidades têm para contar, como se a opressão jamais se apagasse da mente dos oprimidos.
O que liberta uma comunidade é,
sobretudo, a capacidade de compreender sua trajetória histórica
para, a partir daí, se autorreconhecer no presente e tornar-se agente
ativa da construção do próprio futuro.
EMÍLIO ODEBRECHT escreve aos domingos nesta
coluna.
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