São Paulo, domingo, 04 de abril de 2010

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EMÍLIO ODEBRECHT

O abandono da história

QUEM VIAJA pelo interior do Brasil se divide entre dois sentimentos: o encanto com o nosso rico patrimônio histórico e a tristeza pelo estado de quase abandono de antigas igrejas, das construções coloniais e dos monumentos.
Chamo a atenção para este fato por entender que destas edificações emana a sensação de pertencermos a uma comunidade cívica única e porque o patrimônio histórico de um país precisa sobreviver ao tempo, sobretudo, para que este país também seja capaz de tanto.
Os alicerces das capelas, conventos, paços, engenhos e casarões senhoriais que ainda se mantêm de pé nas terras de Minas Gerais, Bahia e Pernambuco, principalmente, são expressões simbólicas dos alicerces de nossa nacionalidade.
Preocupo-me em particular com as edificações coloniais não só por sua antiguidade, mas porque são os primeiros exemplares de uma produção artística e arquitetônica genuinamente brasileira.
O risco que correm de desaparecer é também consequência de alguns vícios de nossa administração pública. O compromisso de lutar pela preservação da memória nacional é de todos, mas a eficácia das ações depende da articulação entre União, Estados e municípios. E nos municípios dificilmente o tema faz parte das agendas de governo.
Os órgãos responsáveis pelo nosso patrimônio histórico são siglas distantes da realidade das cidades do interior, onde as coisas se deram e onde estão as marcas do passado.
Sem desmerecer os esforços de entidades federais como o Iphan (Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional), penso que são as comunidades locais as maiores interessadas e responsáveis pela manutenção de seus monumentos. Capacitá-las e assegurar-lhes os recursos necessários é o procedimento que falta.
O fato é que as pequenas cidades brasileiras não cultivam e não compartilham a própria história.
Faltam políticas públicas neste sentido. Quando os desastres acontecem e as perdas são irreparáveis, há o clamor, que não reconstrói e nem sequer tem servido para reorientar os caminhos.
No interior do Nordeste a memória mais viva, recheada de fatos e lendas, é a do coronelismo, fenômeno sociopolítico que marcou aquela região, principalmente na primeira metade do século 20. É o que as cidades têm para contar, como se a opressão jamais se apagasse da mente dos oprimidos.
O que liberta uma comunidade é, sobretudo, a capacidade de compreender sua trajetória histórica para, a partir daí, se autorreconhecer no presente e tornar-se agente ativa da construção do próprio futuro.


EMÍLIO ODEBRECHT escreve aos domingos nesta coluna.

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