São Paulo, segunda-feira, 04 de maio de 2009

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MARINA SILVA

Ser progressista hoje

ENQUANTO SETORES do Congresso, do empresariado e dos governos federal, estaduais e municipais ainda abusam do velho discurso de que proteção ao meio ambiente atrapalha a economia -mote para atacar partes importantes da legislação ambiental-, pesquisa do Datafolha (Brasil, 29/4) para a ONG Amigos da Terra mostrou a enorme distância entre essa posição e o que pensa a maioria dos brasileiros.
O basta ao desmatamento é consenso nacional: 94% dos entrevistados escolheram a opção "parar o desmatamento, para evitar os custos de desastres ambientais como mudanças climáticas, desmoronamentos, alagamentos etc.", contra 3% que escolheram "permitir mais desmatamento, para produzir mais produtos agrícolas". Outras respostas reafirmam, de vários ângulos, o mesmo ponto de vista. Assim, 85% desejam que os custos gerados pelos danos ambientais no campo sejam cobrados de quem desmatou, mesmo que resulte em aumento de custo dos alimentos; 91% querem "leis mais rigorosas, para dificultar o desmatamento"; e, para 61%, a maior responsabilidade cabe à "falta de controle por parte das instituições de governo, que não aplicam a lei". Nas próximas eleições, 93% pretendem dar preferência a candidatos que ajam contra o desmatamento.
A pesquisa aponta, simbolizado no desmatamento, sentimento generalizado na sociedade de que algo muito grave está acontecendo, provocado pelo comprometimento dos recursos naturais. No início do século 20, Osvaldo Cruz enfrentou a Revolta da Vacina porque teve a visão da urgência para evitar uma epidemia incontrolável de peste bubônica, mesmo diante da reação de parte da população.
Hoje, governantes recebem de bandeja a licença -e, mais do que isso, a demanda enfática- da sociedade para agir na direção do avanço, e não do retrocesso, como quer quem tenta esvaziar a legislação ambiental. O que falta para fazer o papel histórico de agente indutor da troca de sinal civilizatório?
Se aqueles cujas responsabilidades objetivas vão além dos deveres dos cidadãos em geral não assumirem práticas e horizontes sustentáveis, a extraordinária energia que vem da sociedade pode se transformar em consenso oco, mais próximo da retórica que da mudança.
A sustentabilidade política para agir aí está. Não lhe dar consequência talvez seja falta de coragem, ou de autoestima, ou, pior, puro reacionarismo, conceito antigo de grande utilidade em nossos dias. Ser progressista agora é buscar novo modelo de vida e, embora pareça tautológico, nova visão de progresso. A pesquisa pode ser lida em www.amazonia.org.br.

contatomarinasilva@uol.com.br

MARINA SILVA escreve às segundas-feiras nesta coluna.



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