|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
MARCOS NOBRE
Suicídio institucional
O SUPREMO TRIBUNAL Federal conseguiu mais uma vez
embrulhar as contradições
brasileiras para presente. Decidiu
que não lhe cabe interpretar a Lei
da Anistia, de 1979. Decidiu que
anistia é assunto do Poder Legislativo, não do Judiciário. Ou seja, tomou uma decisão política dizendo
que não lhe cabe tomar decisões
políticas.
Na história recente do tribunal,
não há nisso nenhuma novidade.
Só que o caso da Lei da Anistia é
particularmente grave. Não apenas
pelo resultado, lamentável por si
mesmo, mas, principalmente, porque o STF decidiu abdicar de seu
papel de interpretar a legislação
passada e presente à luz da Constituição de 1988.
O STF manteve em vigência uma
lei sem examinar de fato se ela é
compatível com a Constituição. É
verdade que seria um exercício de
ginástica intelectual digno de medalha conciliar Estado democrático de Direito e tortura. Mas esse é o
ônus que caberia ao tribunal que,
recusando o pedido de interpretação da lei apresentado pela OAB,
pretendesse também preservar sua
integridade institucional.
Da maneira como agiu, o tribunal disse de público que, a depender da conveniência política do
momento, pode perfeitamente deixar de exercer as suas funções. Nada pode ser mais perigoso para a
democracia de um país.
O STF resolveu embrulhar a
contradição de sua decisão com o
papel movediço da história. Decidiu basear sua decisão em uma "exceção histórica". A Lei da Anistia
teria resultado de uma negociação
política que teria produzido a "conciliação" do país. Nos termos do voto do presidente do STF, Cezar Peluso, "o Brasil fez uma opção pelo
caminho da concórdia".
Mas o presidente do Supremo foi
além de projetar no passado uma
conciliação imaginária. Afirmou
ainda que a "lei nasceu de um acordo de quem tinha legitimidade para celebrar esse pacto".
A ministra Ellen Gracie não apenas aceitou a tese da legitimidade
das partes em um acordo realizado
em condições ditatoriais como
criou algo que poderia ser chamado de o "paradoxo de Gracie". Para
a ministra, a não recepção da Lei da
Anistia pela Constituição de 1988
"conduziria ao paradoxo de retirar
o benefício de todos quantos foram
por ela alcançados".
Em outras palavras, sem a Lei da
Anistia não haveria a Constituição
de 1988. Para sustentar o insustentável, o STF acabou por fazer da lei
de 1979 o sustentáculo histórico da
Constituição dita cidadã. Fez de
uma lei aprovada sob a ditadura
militar a fonte originária da ordem
democrática vigente.
É uma atitude bem mais do que
paradoxal. É um autêntico suicídio
institucional.
nobre.a2 uol.com.br
MARCOS NOBRE escreve às terças-feiras
nesta coluna.
Texto Anterior: Rio de Janeiro - Carlos Heitor Cony: Buraco negro Próximo Texto: Frases
Índice
|