São Paulo, terça-feira, 04 de junho de 2002 |
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TENDÊNCIAS/DEBATES Os índios na agenda da Rio+10
MANUELA CARNEIRO DA CUNHA
Inexplicavelmente, porém, até agora, nos documentos que resultaram do esforço comum do bloco latino-americano e do Caribe, não há nenhuma palavra sobre populações indígenas e locais. Ora, o Brasil também poderia encabeçar essa frente com bastante orgulho. Afinal, desde 1988 temos uma Constituição que é notável nesse capítulo e o atual governo foi quem mais fez para que ela não ficasse somente no papel. Até fevereiro de 2002, e contando os dois mandatos, o governo Fernando Henrique Cardoso havia declarado e homologado mais terras indígenas e com maior extensão total do que qualquer de seus antecessores: foram 32 milhões de hectares em 107 áreas declaradas e mais de 41 milhões de hectares em 145 áreas homologadas. As convenções, como é sabido, são hierarquicamente submetidas às Constituições nacionais. Mas elas são o elo que une cada país a uma comunidade moral internacional, que é hoje representada pelas Nações Unidas e seus vários órgãos e que tem agido como contrapeso à supremacia mundial pretendida pela Organização Mundial do Comércio. O Brasil tem participado ativamente desse bloco moral, com algumas exceções. Uma dessas exceções, surpreendente, é que a convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho, que trata de populações indígenas e tribais, ainda não foi ratificada pelo Brasil. Essa convenção, que data de 1989, veio substituir a obsoleta convenção 107, de 1957, da qual o Brasil faz parte -obsoleta porque, inspirada pelo combate ao apartheid da África do Sul, ela visava essencialmente a assimilação (chamada então de integração) dessas populações. A convenção 169, que a substituiu, constitui um "aggiornamento" salutar. É o primeiro instrumento internacional que, tal qual a Constituição brasileira, no artigo 231, reconhece o direito dos povos indígenas a viverem de acordo com sua cultura. O México usou-o, por exemplo, nos acordos de San Andrés, em 1996, para pôr fim aos conflitos étnicos em Chiapas. Nesse capítulo, o Brasil figura como exceção no bloco latino-americano: o México ratificou a convenção 169 em 1990 e foi seguido, em ordem cronológica, por Bolívia, Colômbia, Costa Rica, Paraguai, Peru, Honduras, Guatemala, Argentina e Venezuela. Hoje, seria importante um gesto do Brasil para se juntar ao bloco latino-americano no tocante aos direitos humanos das populações indígenas. A ratificação da convenção 169 seria reconhecida como uma iniciativa nessa direção. Manuela Carneiro da Cunha, antropóloga, é professora de antropologia da Universidade de Chicago, professora titular aposentada da USP e membro da Academia Brasileira de Ciências. Texto Anterior: Frases Próximo Texto: Luiz Gonzaga Bertelli: A vergonha do analfabetismo Índice |
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