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JOSÉ SARNEY
Como fazer
coisas inúteis
O Iraque passa a ser um exemplo
didático que não se esgota na
guerra, na invasão, na bagunça sangrenta em que se transformou. É um
espelho a refletir sobre a total falta de
senso. Quando quiserem fazer coisas
inúteis, melhor advertir: não façam
Iraque.
Bush fez a guerra para evitar que armas "mortíferas", de destruição em
massa, químicas, bacteriológicas, nucleares ameaçassem o mundo. Verdade constatada: nada disso existia nem
tinha possibilidade de existir. Era uma
terra em miséria, sem dinheiro nem
para comprar comida.
Mas havia a justificativa de Saddam
estar por trás do ataque trágico, desumano e brutal às torres gêmeas de Nova York. Verdade apurada: o Iraque
não teve nenhuma participação naqueles episódios, tinha mais juízo do
que Bush de não entrar naquela fria
monumental. Apurado e comprovadamente falso.
Saddam estaria ligado à Al Qaeda, financiando e oferecendo treinamento
a terroristas. Apurado até agora: nenhuma ligação tinha Saddam com Al
Qaeda. Nem a CIA ou o FBI descobriram.
Saddam era um inimigo frontal dos
Estados Unidos, ameaçava-os de toda
maneira numa retórica rasteira e inconseqüente, o país e seu governo,
através dos seus dirigentes. Verdade.
Saddam organizou um complô para
matar o Bush pai. Há indícios. Disso
Bush filho não se esqueceu e teve a
oportunidade de resumir essa atitude
imperdoável numa expressão de bom
filho, para ter raiva: "Ele quis matar
papai".
Saddam era um ditador execrável,
cometeu as piores violações aos direitos individuais, furtou, torturou, matou, escravizou seu povo, tinha um regime de crueldade repugnante. Cristalina verdade.
Saddam caiu. Está preso. Único e
bom resultado de toda a guerra. Mas o
que aconteceu? O Iraque está mais pobre do que antes, arrasado, seu povo
faminto e sem trabalho, o país ocupado por forças estrangeiras que lhe impõem o sistema de dominação mais
violento que se possa imaginar.
Saddam torturava. Os soldados
americanos torturam com requintes
de crueldade que estão chocando o
mundo inteiro, têm uma conduta bárbara e indecorosa jamais pensada.
Saddam roubava. Os jornais publicam que há investigações sobre roubos e saques das terras ocupadas, até
mesmo de jóias das famílias iraquianas com casas invadidas pelas tropas
estrangeiras.
A Guerra do Iraque foi a mais inútil
demonstração de força. Tudo o que
pensou conjurar está fazendo, deixando no mundo inteiro um rastro de
desconfiança sobre o Texas, Cheney e
o petróleo iraquiano.
Transformar o país numa democracia. O que se vê é a anarquia -e o único regime que pode surgir é uma teocracia, os xiitas no poder.
Se o objetivo da guerra fosse apenas
tirar um ditador, mais fácil seria invadir o Turcomenistão, mais fácil e menos traumático, onde há um presidente, Niyazov "Turcomenbashi", que está mudando os dias e os meses -em
vez de terça-feira, "dia jovem", em vez
de quarta, "dia principal", em vez de
quinta, "dia favorável"- e que proibiu balés, barbas, dentes de ouro e cabelos compridos. Questionar o presidente é "parricídio". Então, se é para
evitar violação aos direitos humanos e
banir tiranos, melhor o Turcomenistão. E lá também há petróleo, um fundo de US$ 3 bilhões, depositado no
Deutsche Bank, que o presidente, só
ele, o divino, pode movimentar.
José Sarney escreve às sextas-feiras nesta coluna.
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