São Paulo, quarta-feira, 04 de junho de 2008

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ANTONIO DELFIM NETTO

Confusão

OUTRO DIA, um ilustre economista disse convictamente, num programa de televisão, que "a alta dos preços dos serviços que estamos vivendo é um custo para a sociedade. Portanto, o Banco Central tem a obrigação de enfrentá-la com uma política monetária restritiva". Por que uma alta de preços dos serviços seria um custo para a sociedade? Trata-se, obviamente, de um desequilíbrio entre a oferta de serviços e a demanda por serviços. De que depende esta demanda? Basicamente da preferência dos consumidores, de sua renda e do preço que têm de pagar por eles. Se a renda do consumidor não cresce (como ocorre quando a economia está estagnada), a alteração da sua preferência (por mais serviço) vai exigir que ele reduza (sacrifique) outro item na sua cesta de consumo (tomar menos refrigerante, por exemplo). Isso exerceria uma pressão baixista no preço do item sacrificado.
Quando a renda do consumidor aumenta (como ocorre quando a economia cresce pela absorção de fatores disponíveis ou pelo aumento da produtividade), a alteração da preferência do consumidor pelos serviços eleva seus preços sem exercer necessariamente alguma pressão sobre os outros preços da cesta de consumo. Haverá em qualquer dessas hipóteses um "custo para a sociedade"? Serão elas uma "manifestação inflacionária que merece resposta da política monetária"?
Em primeiro lugar, deveria ser evidente que, mesmo em pleno emprego, quando se necessita aumentar o preço de um fator de produção (o produtor do serviço) para atraí-lo para um setor cuja demanda está crescendo, não há nenhum "custo para a sociedade". O que há é uma transferência de renda. O "custo" para a sociedade seria a diferença entre a produção que foi sacrificada pela transferência do fator e a nova produção (resultado da preferência do consumidor e, portanto, geradora de maior bem-estar), ambas avaliadas aos preços originais, o que mostra que não há "custo". Há benefício!
Quando existem fatores de produção disponíveis ou há aumento de produtividade, a proposição de que o aumento dos preços relativos tem um "custo" para a sociedade é evidentemente equivocada. De novo, pode haver transferência de renda para os fatores utilizados no setor cuja preferência do consumidor aumentou, mas não há sacrifício da produção física de nenhum outro setor. Logo, não há "custo para a sociedade".
É por isso que não confundir "mudança de preços relativos" com "pressão inflacionária" é uma das maiores preocupações de todos os bancos centrais, pois ela, sim, pode ser um "custo" para a sociedade...


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ANTONIO DELFIM NETTO
escreve às quartas-feiras nesta coluna.


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