São Paulo, quinta-feira, 04 de julho de 2002 |
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TENDÊNCIAS/DEBATES O ensino jurídico brasileiro
CARLOS MIGUEL AIDAR
Sendo mais condescendente na abertura dos cursos de direito, esperava-se que o MEC fosse mais rígido na avaliação. Não é o que se constata. O Exame Nacional de Cursos, o Provão, gerou um fator de classificação das faculdades positivo, mas desencadeou, sobretudo, o surgimento de um novo mercado. Muitas instituições treinam seus alunos antes da referida prova, apenas para que a faculdade possa ser bem colocada no ranking do governo. Os cursos de direito possuem grande demanda, em decorrência da boa perspectiva de emprego na advocacia e da possibilidade de seguir carreira por meio de concurso público para juiz ou promotor. Mas quais são as chances desse aluno de direito, capacitado de forma precária, em um concurso para a magistratura? Sem dúvida, nenhuma. No início da década de 80, a média de aprovados no concurso para juiz do Tribunal de Justiça de São Paulo era de 7% dos candidatos. Hoje, ela não atinge 2%. No Ministério Público, de 6.659 inscritos em concurso recente, apenas 52 conseguiram aprovação. Diante desse quadro, constatamos que a expectativa da maioria dos estudantes de direito será frustrada. Se não conseguem ser aprovados no exame de Ordem, não existe carreira para eles, não existe futuro no Judiciário. Está havendo, portanto, um estelionato do aluno que paga para ter formação jurídica, mas não conseguirá exercer a profissão porque sua capacitação é precária. Há casos piores, de cursos que não foram reconhecidos ou são descredenciados pelo MEC . A segunda flexibilização do ensino jurídico é recente e atinge os currículos. A Lei de Diretrizes e Bases da Educação foi criada para dar novas perspectivas à estrutura e ao programa de ensino. O Conselho Nacional de Educação, por sua vez, tem como competência definir a regra genérica, que atenda a lei, sem criar direito novo. Com o parecer 146/ 02, do CNE, não se estará modernizando a grade curricular, mas a vaporizando, com o fim do conteúdo mínimo. Mais uma vez, o Estado planeja, interpreta e define em prejuízo das normas constitucionais e da LDB, que, quando criou as chamadas diretrizes curriculares, visava modernizar a grade curricular, permitindo que os cursos de direito incluíssem novas disciplinas, além das tradicionais. O mínimo que se exige é uma formação geral, jurídica e humanística que dê ao aluno capacidade para pesquisar, compreender e redigir textos jurídicos. Ou teremos advogados inaptos para redigir uma simples petição. O mesmo parecer dá ensejo à terceira mazela da flexibilização. Além da atualização curricular, a fixação de cargas horárias, de acordo com o parecer 100/02, que reduz de cinco para três anos a duração dos cursos, o que é uma regra específica, que fere a legislação de ensino. A diretriz também propõe que a monografia final seja opcional. Diante dessas mudanças, pode-se prever para o direito um lugar nos cursos sequenciais (de dois anos) ou a retomada da epidemia de uma praga que considerávamos extinta: as faculdades de final de semana. A redução da duração dos cursos não ajudará na formação dos alunos, mas será uma solução para a inadimplência das anuidades. Mais uma vez, a qualidade do ensino será sacrificada em nome do mercantilismo educacional. Embasado pelos argumentos disponibilizados pelas seccionais de todos os Estados, o Conselho Federal da OAB está propondo ao MEC a revisão do parecer 146/02. Até onde se sabe, é plano do ministro da Educação manter os cursos de nível superior em três anos, para que aumente o número da população formada em grau universitário, o que ampliaria a performance educacional brasileira para organismo internacionais que investem no país. O futuro do ensino jurídico não nos parece claro ou promissor. O número de escolas é excessivo, a formação dos alunos é precária, o mercado não absorve tantos formandos e se torna mais excludente, preferindo egressos de faculdades de primeira linha, que tradicionalmente obtêm índice de aprovação acima de 90% nos exames de Ordem. Grande parte das instituições de ensino jurídico, hoje, não forma, não pesquisa, não tem compromissos sociais e profissionais. E, desde já, podemos podemos detectar os prejuízos que os maus profissionais do direito causam em sua atuação, a despeito de todos os "filtros". Tornam-se advogados sem a devida qualificação, podendo impor significativos danos a seus clientes. Carlos Miguel Aidar, 54, advogado, é presidente da seccional paulista da OAB (Ordem dos Advogados do Brasil). Texto Anterior: Frases Próximo Texto: José Eduardo Bandeira de Mello: Tolerância zero nas farmácias Índice |
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