São Paulo, domingo, 04 de agosto de 2002

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À ESPERA DO FMI

O palanque eleitoral em que se converteu o debate sobre a política econômica brasileira lembra clássicos do teatro do absurdo, como Samuel Beckett. Em sua peça "Esperando Godot", dois vagabundos esperam a vinda de um ser misterioso que nunca aparece.
Brasil e Argentina estão hoje irmanados numa espera, permeada por situações absurdas, projetando no FMI suas esperanças de salvação.
"Se ficarmos de braços cruzados, sem fazer nada, pesando prós e contras, também faremos justiça à nossa condição", comenta um dos personagens de Beckett.
Há pelo menos duas hipóteses para explicar o impasse. No pior cenário, as crises locais e global são a tal ponto devastadoras que praticamente nada pode contra-arrestá-las.
A outra hipótese é a de que governos acuados não fazem tudo o que poderiam para escapar ao círculo de fogo da crise de confiança.
A primeira hipótese, embora verossímil, é absurda. Levada às últimas consequências, a tese de uma crise tão grave tornaria inúteis mesmo eventuais pacotes de ajuda do FMI.
Aliás, as reticências do governo Bush e as procrastinações do Fundo refletem a crença de que não há o que fazer contra os mercados.
O mais racional, nessa abordagem ultraliberal, é poupar os recursos dos contribuintes e esperar até que os mercados dêem conta de políticas econômicas insustentáveis.
A hipótese intervencionista, sem subestimar as dificuldades internacionais, é mais otimista na ação. Mas não há sinais de que o governo brasileiro e seu banco central estejam afinados com essa orientação.
Nos últimos meses, o que se viu foi uma sequência de medidas nem sempre corretas e, em alguns casos, fortes, mas inadequadas.
Da mudança nas regras dos fundos de investimento à ampliação da parcela da dívida pública corrigida pela taxa de câmbio, o Banco Central parece pouco inspirado, para dizer o menos, quando se trata de aumentar a credibilidade dos investidores na política monetária.
A venda gradual e pré-anunciada de dólares segue a mesma lógica do sistema de metas inflacionárias: a autoridade monetária supõe que o bom comportamento, a adesão a regras e a transparência das decisões bastem para estabilizar o mercado.
Não há surpresa. Ora, a ação previsível é quase uma não-intervenção, pois quem joga contra o BC sabe de antemão as cartas do adversário.
Não há mobilização de políticas estratégicas no comércio exterior. Não há mobilização do Congresso ou de governadores e prefeitos. É como se nada houvesse a fazer: se a crise vem de fora, a solução também virá.
É verdade que até certo ponto a crise cambial é especulativa (os exageros refletem o que os economistas definem como "overshooting").
A semana passada foi exemplar, com oscilações do real da ordem de 10% para cima num dia e para baixo no seguinte, desvario que não indica tendências para a economia.
O mais provável, aliás, é que a grave crise atual leve o país a um ajuste pela recessão, com expressivo aumento do desemprego, mas sem descontrole inflacionário ou colapso da dívida pública provocado por uma hiperdesvalorização cambial.
Mas a opção do governo por políticas insuficientes e a sua aposta numa solução que novamente venha de fora tornam o ajuste ainda mais amargo, instável e inseguro.



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