São Paulo, domingo, 04 de agosto de 2002

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ANTÔNIO ERMÍRIO DE MORAES

A moral em queda livre

Em um trabalho que me caiu nas mãos por razões transversas -pois estava procurando alguma literatura sobre reputação em geral-, o autor diz que, entre 1910 e 1912, a simples presença de um diretor do Banco J. P. Morgan em um conselho de empresa elevava o valor dessa empresa em, no mínimo, 30%. Um aval ou parecer daquela instituição bancária era o diferencial entre as empresas que iam para o céu e as que iam para o inferno ("Did J. P. Morgan's Men Add Value?", J. Bradford De Long, Chicago, 1991).
A referida valorização não era fictícia. Ao contrário, advinha de uma análise cautelosa do desempenho das empresas -não apenas de seus balanços mas também de seu desempenho econômico, de suas reservas e, sobretudo, da conduta ética e moral dos seus dirigentes.
Que diferença para os dias de hoje, quando muitas empresas têm balanços de vitrine, desempenho de ventanias e condutas de falsetes, incluindo aqui dirigentes, auditores e bancos de retaguarda. As decisões dos investidores dependem de informações que eles não conseguem obter diretamente dos produtores -afinal, não faz parte do seu ramo entender de produção e de vendas.
Quando os "produtores-informantes" falham, os investidores embarcam em canoas furadas e, quando descobrem o que aconteceu, pulam fora com exímia agilidade, deixando em seu rastro turbulências que devastam a economia como um todo.
É irônico verificar que, na era da informática, milhões de pessoas agiram na base da ignorância durante toda a década de 90, quando a economia estava sendo tocada por espumas de ações artificialmente inflacionadas para beneficiar quem era remunerado com base em seu valor -os altos executivos.
E os redatores da revista "Business Week" perguntam: "Será que fomos todos tolos? Por que caímos no mesmo conto do vigário se, como nunca na história, dispúnhamos de toneladas de informações em tempo real?".
Os próprios jornalistas respondem às suas inquietantes questões: "O mercado funciona quando a informação é honesta". Do contrário, entra em colapso ("Can Trust Be Rebuilt?", "Business Week", 8/7/2002).
É isso mesmo. No sistema de livre concorrência, "a mão pode ser invisível", mas os fatos deverão basear-se em fortes lastros de confiança. Até o momento, nada conseguiu substituir a velha reputação.
E agora? Como reconstruir a confiança? Como curar as moedas apodrecidas? Só há um remédio: muito trabalho e muita paciência! O tropeço causado pela trapaça vai exigir décadas de suor e de lágrimas. Vejam o caso do Japão: são mais de dez anos de recessão.
É sempre assim. É mais fácil recuperarmo-nos de uma falência econômica do que de uma falência moral. Mesmo assim, isso só tem sucesso se os guerreiros preservarem a sua reputação.
Esse vai ser o grande desafio dos próximos dez ou 15 anos. No momento, a moral ainda está descendo a ladeira.


Antônio Ermírio de Moraes escreve aos domingos nesta coluna.


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