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Escapismo de volta
Idéia de constituinte para reformar a política não faz sentido; Carta de 1988 já oferece os meios para alterar as regras
O
DEBATE público no
Brasil está acostumado a identificar soluções idílicas sempre
que problemas crônicos em nossa sociedade se manifestam com
mais intensidade.
Se há crise na segurança, então
é preciso chamar o Exército; se
negros não chegam à universidade pública, instalem-se cotas; se
há caixa dois nas campanhas,
crie-se o financiamento público
exclusivo; se há corrupção no
Executivo e no Legislativo, proceda-se à reforma política; se as
reformas não avançam, convoque-se uma miniconstituinte.
A ambição de reformar e consertar a sociedade de cima, pela
força de ações fundadoras, é um
tema antigo na tradição brasileira. Já camuflou interesses autoritários no passado, mas no período democrático contemporâneo se reveste mais de escapismo. Tem se manifestado, na forma geral de demagogia, quando
os meios ordinários para conquistar avanços numa democracia já constituída parecem lentos
ou ineficientes demais para dar
uma resposta, no plano do marketing, a uma crise candente.
A digressão é necessária pois
decifra a proposta do presidente
Luiz Inácio Lula da Silva de chamar uma assembléia constitucional específica para realizar
uma "reforma política". Nem se
questione -até porque, neste espaço, essa crítica tem sido feita
com bastante freqüência- a desconexão lógica que existe entre a
idéia genérica de mudar algumas
regras da representação popular
e o objetivo de combater a corrupção na esfera pública.
Que sentido faz convocar uma
assembléia constituinte, ainda
que restrita, quando todos os
meios para modificar as normas,
inclusive as que regulam a representação política, estão dados
pela Carta de 1988? Constituintes só se justificam quando há
rupturas institucionais, mudanças de regime. Do contrário, o
instrumento se banaliza e, com
ele, a própria democracia.
Na hipótese benigna, o objetivo de eleger pessoas sem compromisso com a lógica partidária
para representar melhor os "anseios da sociedade" é uma quimera. Na realista, é um estratagema do governo para exercer
maior influência sobre os constituintes. De todo modo, as pessoas a serem eleitas serão sempre "políticos" e votarão de acordo com uma lógica resultante da
pressão dos grandes partidos, do
governo e dos setores influentes
da opinião pública -exatamente
como ocorre hoje com deputados e senadores "comuns".
O essencial da "reforma política" se resolveria com uma lei ordinária (aprovada por maioria
simples no Congresso) impedindo alguém que muda de legenda
de candidatar-se pelos quatro
anos seguintes. Esse dispositivo,
associado à entrada em vigor -a
partir da eleição de outubro- da
cláusula de barreira, favoreceria
a formação de dois corpos estáveis (um oposicionista, outro situacionista) no Congresso Nacional. Já seria um ganho considerável, dada a balbúrdia que
tem prevalecido nas duas Casas.
Que não se espere, porém, que
tal plataforma venha a minimizar a corrupção federal. Isso não
é o objetivo nem está ao alcance
de nenhuma reforma política.
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