São Paulo, segunda-feira, 04 de agosto de 2008

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TENDÊNCIAS/DEBATES

Versalhes

ROBERTO LUIS TROSTER


O modelo atual de política econômica, acompanhado por um cenário externo favorável, está mostrando sinais de esgotamento

LUIS 14 , o Rei Sol, construiu em Versalhes palácios e jardins deslumbrantes e transferiu a capital política e administrativa francesa para lá, em 1682. Sem paralelos anteriores por sua grandiosidade, é considerada até hoje uma das maravilhas arquitetônicas do mundo. Brasília nasceu em 1960, majestosa e esplêndida, com pose e pinta de capital. Sua localização, no cerrado, levaria o progresso a todas as regiões brasileiras.
Versalhes era ostentosa e sua manutenção era uma hemorragia dos ganhos da indústria e do comércio franceses da época e drenava cerca de um décimo do total de suas receitas. Os custos de conservação de Brasília são altos. Dados da ONG Transparência Brasil apontam que um minuto de trabalho do Congresso brasileiro custa R$ 11.545, o orçamento do Legislativo é superior a R$ 6 bilhões, o triplo que o da França, o quádruplo que o do Reino Unido e o equivalente a 150 mil casas populares por ano. Notável.
Em Brasília, houve uma concentração de poder e de renda. A população de Brasília cresce a taxas superiores às do crescimento da população do Brasil e sua renda ascende a taxas mais altas. Em 1985, a renda por habitante de Brasília era um terço superior à média brasileira; 15 anos depois, era mais que o dobro.
Versalhes serviu para a consolidação do poder central na França, esvaziando os poderes e as autoridades locais. É um dos símbolos do absolutismo. Paradoxalmente, os esforços e recursos para aumentar o poder do rei acabaram minando-o. A busca da gloria pessoal e o isolamento tiraram o foco da política em engrandecer a nação. Quando informaram à rainha Maria Antonieta que o povo não tinha pão, perguntou: "Por que não comem brioches?".
A estrutura de receitas e gastos do Brasil não reflete as demandas da sociedade. Por um lado, a carga tributária é crescente, a burocracia fiscal brasileira é a mais demorada do mundo e o quadro institucional é obsoleto.
Por outro, os salários do setor público aumentam mais rapidamente que os do setor privado e os gastos públicos sobem a uma velocidade maior que a do PIB. Em vez de racionalizar a tributação, distribuindo melhor seu ônus, realizar as reformas e diminuir as despesas, existe uma proposta no legislativo de criar mais um imposto, a nova CPMF. Será que é para custear brioches?
Versalhes, como capital da França, terminou com uma revolução. O Brasil está tendo uma revolução, longe de Brasília. Tem várias frentes: a produção de soja, de pecuária e de cana são algumas do setor agrícola; a fabricação de aço, de automóveis e de roupas são da indústria; e os serviços de turismo, educação e financeiros são do setor terciário. Ganhos de produtividade e de escala estão transformando a estrutura econômica nacional. É uma revolução produtiva.
Existem pontos positivos na política econômica, tais como a estabilização, porém, poucos, quando cotejados com as demandas do setor produtivo. O Brasil está tendo os melhores termos de troca com o exterior de toda sua história, descobertas recentes mostram seu potencial de exportador de petróleo, a tecnologia de biocombustíveis lhe dá uma vantagem comparativa como o resto do mundo e a revolução produtiva garante um crescimento sólido.
É paradoxal, o país está patinando.
As expectativas de crescimento deste ano são inferiores às do ano passado, e as de 2009, menores que deste. É uma desaceleração. O Brasil está crescendo aquém de seu potencial. A razão é que o foco das atenções da política econômica está em Brasília, e não no futuro do país. O imediatismo predomina.
A recente alta de inflação ilustra o ponto. A prescrição correta para esse tipo de situação é reduzir gastos do governo e aumentar a oferta de bens e serviços por meio de reformas, para acomodar a expansão de demanda do setor privado. Prefere-se aumentar os juros a reduzir despesas e a modernização do tratamento dado às questões trabalhistas, judiciárias, educacionais, previdenciárias etc. nem sequer é discutida.
O modelo atual de política econômica, acompanhado por um cenário externo favorável, está mostrando sinais de esgotamento. Está na hora de desenhar uma política econômica que proponha um equilíbrio entre as urgências e a sustentabilidade do crescimento do longo prazo e o potencial do país. Brasília teve seu projeto paisagístico inspirado em Versalhes, mas foi concebida para ser uma Versalhes do povo, não do rei, e um modelo para o desenvolvimento do Brasil.


ROBERTO LUIS TROSTER , 57, é doutor em economia pela USP e sócio da Integral Trust. Foi economista-chefe da Febraban (Federação Brasileira de Bancos), da ABBC e do Banco Itamarati.

robertotroster@uol.com.br

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