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MARCOS NOBRE
Fé na mídia
ONDE HÁ pluralismo religioso, a alternativa para a guerra é a tolerância. E, para impedir que uma crença chegue a
ocupar a posição de única fé verdadeira e extermine as demais, estabeleceu-se a separação entre Estado e igreja e se atribuiu à religião o
espaço da vida privada.
Mas esse espaço estreito do privado nunca foi aceito pacificamente pelas religiões. Principalmente
porque ficou ainda mais exíguo
com o declínio da família como lugar privilegiado de formação de
identidades e de socialização. A
competição por fiéis invadiu a
esfera pública de uma maneira
selvagem.
É claro que, respeitado o princípio da tolerância, a esfera pública
deve estar aberta a todo tipo de manifestação de pensamento. A necessária laicidade do Estado não
pode e não deve restringir o pluralismo da esfera pública, mesmo
sendo muitas vezes fluidos e
sutis os limites entre essas duas
instâncias.
Só que a tolerância não é lei nem
política de Estado. Só arrefece a
pretensão de uma religião de se impor sobre as demais se a tolerância
passa de fato a fazer parte da prática cotidiana pública. Por via indireta, essa também é uma maneira de
medir o grau de democratização de
uma sociedade. Por aí se vê o quanto o Brasil anda longe de ser exemplo de tolerância religiosa, apesar
da lenda da convivência pacífica.
Há já algum tempo, a esfera pública brasileira se viu tomada por
uma disputa midiática entre credos rivais que não se pauta pelo fomento da tolerância, mas simplesmente pela busca do maior número possível de fiéis. É uma disputa
desigual. Está em jogo a aquisição
de canais de televisão, de emissoras de rádio e de jornais. É o jogo
bruto da busca pelo maior poder
midiático possível, o que inclui o
recurso a crentes famosos, como
jogadores de futebol.
Se seitas protestantes costumam
ser mais bem-sucedidas na aquisição direta de meios de comunicação de massa, a Igreja Católica responde com seu poder secular. Em
1997, durante o governo FHC, conseguiu aprovar a lei que garante o
ensino religioso nas escolas do nível fundamental. Recentemente, o
governo Lula firmou um acordo
com o Estado do Vaticano que privilegia abertamente a crença católica sobre as demais. É de esperar
que a Câmara dos Deputados o
rejeite.
A guerra por fiéis tem muita bala
perdida. Como fez Juca Kfouri em
sua coluna da semana passada,
"Deixem Jesus em paz", ainda vai
ser preciso que muita gente reclame de ser vítima involuntária dessa guerra para que a tolerância
conquiste de fato o seu lugar na vida pública brasileira.
nobre.a2@uol.com.br
MARCOS NOBRE escreve às terças-feiras nesta coluna.
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