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Não abram a boca
De um extremo a outro da sociedade brasileira, garantias constitucionais básicas são atropeladas pelo poder público
PRESOS desde fevereiro de
2006, sob a acusação de
estupro e assassinato de
uma jovem, três cidadãos
brasileiros tiveram anteontem
sua libertação determinada pela
Justiça. Por várias vezes, haviam
relatado às autoridades que sua
confissão fora obtida mediante
tortura policial.
Foi preciso, no entanto, que
um psicopata confessasse o crime para que a versão dos dois
fosse, enfim, admitida pelo poder público. O delegado de Guarulhos (SP) encarregado do caso
concluiu que os acusados foram
"presos inocentemente".
Presos inocentemente: a esdrúxula formulação pode ser estendida a inúmeros outros casos.
Segundo reportagem publicada
ontem na Folha, 9 mil pessoas
continuam encarceradas no
país, apesar de já terem cumprido sua pena. Calcula-se em 133
mil o número de cidadãos à espera de julgamento em prisão
preventiva, sem dispor dos
meios que beneficiaram, em situação similar, o banqueiro Daniel Dantas.
Nada pior do que o espírito de
demagogia punitiva que, em crimes de colarinho branco, exulta
com prisões espetaculares e com
a ostentação dos algemados. Não
se pode, tampouco, deixar de reconhecer que houve uma melhora sensível nas políticas de segurança pública nos anos recentes.
Os índices de homicídio, por
exemplo, vêm caindo sistematicamente, o que está associado,
entre outros fatores, ao incremento da capacidade de investigar, condenar e manter presos os
autores de crimes graves.
Continua dando margem a justa revolta, entretanto, notar que
a desigualdade social ainda se reproduz no funcionamento do
Judiciário e no descontrole das
instituições -fenômeno, este último, que ameaça direitos em todo o espectro social.
Faltou pouco para o ministro-chefe do Gabinete de Segurança
Institucional, general Jorge Félix, admitir em depoimento na
CPI dos Grampos, no Congresso
Nacional, que não controla os
agentes secretos sob seu comando. A Agência Brasileira de Inteligência chegou a adquirir, conforme relato do ministro da Defesa, Nelson Jobim, equipamentos capazes de realizar escutas
clandestinas.
O melhor a fazer, afirma o general Jorge Félix, "é não abrir a
boca". A recomendação vale para
todos os cidadãos. Aplica-se ao
presidente do Supremo Tribunal
Federal, grampeado ilegalmente. E também aos três jovens
submetidos à tortura policial:
deveriam ter ficado de boca fechada, sem confessar o crime
que não cometeram.
Dois casos extremos, por certo, mas representativos do grau
de desmazelo e de cinismo com
que são encaradas, no país, as garantias constitucionais básicas
de todo cidadão.
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