|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
TENDÊNCIAS/DEBATES
Deve ser convocada Assembleia Constituinte
exclusiva para implementar a reforma política?
NÃO
Assembleia Constituinte ilegítima
JOSÉ AFONSO DA SILVA
Volta e meia aparece alguém
com a ideia de convocar uma Assembleia Constituinte sem que nem
para quê. Agora, quer-se uma Constituinte para fazer as reformas políticas que o Congresso Nacional não
realiza, reformas sobre as quais
nem sequer existe consenso.
O raciocínio é este: se o Congresso não faz, convoquemos uma Assembleia Constituinte para fazer.
Pena que tenha sido a candidata
Marina Silva a reinventar essa história, reafirmada nesta Folha (28/
8, "Candidatos discutem nova
Constituinte", Poder): "Propus
uma Constituinte exclusiva para
que possamos realizar as reformas.
Esta é a única forma de sairmos desse processo vicioso para um processo virtuoso".
Que processo vicioso é esse, ela
não disse. Será o fato de o Congresso não votar as reformas? E quem
garante que a dita Assembleia exclusiva o fará? A ilustre candidata,
sempre tão lúcida, não percebeu
que uma tal Assembleia, se for mesmo Constituinte, não se limitará
aos propósitos de sua convocação.
Se é exclusiva, não ficará adstrita
às precondições e do desejo de destruí-la de sua convocação. Ela só
vai servir aos interesses dos conservadores que nunca aceitaram a
Constituição de 1988 e sempre estão engendrando algum meio para
desfazer as conquistas populares
que ela acolheu.
Não existe Assembleia Constituinte desvinculada do poder constituinte originário, que é o poder supremo que o povo tem de dar-se
uma Constituição; energia capaz de
organizar política e juridicamente a
nação, por meio de Constituição.
Quando surge uma situação
constituinte -ou seja, situação que
reclama a criação de nova Constituição, que consagre nova ideia de
direito, como ocorreu no Brasil no
início dos anos 80, o espírito do povo se transmuda em vontade social
e reivindica a retomada do seu direito fundamental primeiro, qual
seja, o de se manifestar sobre o modo de existência política da nação
pelo exercício do poder constituinte originário.
Sem uma ruptura da ordenação
constitucional existente, não há o
pressuposto essencial para a convocação de Constituinte alguma,
exclusiva ou não. Quando existe
uma Constituição legítima, como a
Constituição de 1988, a ideia de
convocar Constituinte não passa de
jogo dos interesses contrariados
por ela e do desejo de destruí-la.
O poder constituinte originário
inseriu na Constituição os modos
pelos quais ela poderia ser modificada: o processo de revisão (no art.
3º do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias), realizado e
esgotado, e o processo de emendas
(art. 60 da Constituição).
Este, hoje, é o único meio legítimo para reformar a Constituição.
Fora dele é fraude, porque aí se prevê simples competência para modificar a Constituição existente, competência delegada exclusivamente
ao Congresso Nacional pelo poder
constituinte originário, que não o
autorizou a transferi-la a outra entidade. Se o fizer, comete inconstitucionalidade insanável.
A Colômbia, em 1977, convocou
Assembleia exclusiva para a reforma de sua Constituição, que também disciplinava, por outra forma,
o processo de alterações formais.
O ato de convocação daquela Assembleia foi declarado inconstitucional pela Sala Constitucional da
então Corte Suprema colombiana.
Essa é a solução que também se espera do Supremo Tribunal Federal,
caso se efetive a convocação que as
duas candidatas à Presidência da
República suscitam.
JOSÉ AFONSO DA SILVA, advogado
constitucionalista, é professor aposentado da
Faculdade de Direito da USP e autor de "Curso de
Direito Constitucional Positivo", entre outras obras.
Foi secretário da Segurança Pública (governo Mário
Covas).
Os artigos publicados com assinatura não traduzem a opinião do jornal. Sua publicação obedece ao propósito de estimular o debate dos problemas brasileiros e mundiais e de refletir as diversas tendências do pensamento contemporâneo. debates@uol.com.br
Texto Anterior: Cesar Maia: As UPPs
Próximo Texto: Cláudio Gonçalves Couto: Alarmismo infundado
Índice
|