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Jogo pesado
Projeto que permite aos Estados explorar loterias ameaça ressuscitar interesses criminosos ligados aos jogos de azar
CAMINHA para realizar-se
a profecia sobre loterias
estaduais capturada em
escuta telefônica pela
Polícia Federal em fevereiro, na
Operação Hurricane: "Passou no
Senado e vai passar na Câmara".
O autor do vaticínio foi o advogado Júlio Guimarães, cuja casa
guardava R$ 10 milhões atrás de
uma parede falsa. Devia saber do
que falava.
O projeto de lei a que se referia,
que autoriza a retomada da jogatina pelos governos estaduais, foi
aprovado pelo Senado Federal
em 8 de fevereiro (projeto 278/
2006), apenas sete meses depois
de proposto pela nada saudosa
Comissão Parlamentar de Inquérito dos Bingos. Na Câmara
dos Deputados, sob o número
472/2007, tramita já -e em regime de prioridade. Ontem mesmo, foi aprovado na Comissão de
Defesa do Consumidor. Falta
agora a Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania, depois o plenário.
É de se perguntar por que um
projeto como esse ganhou o status de prioridade. Já existem nove loterias em funcionamento no
país, todas elas administradas
pela Caixa Econômica Federal,
que arrancam de brasileiros, em
geral pobres, mais de R$ 4,2 bilhões anuais. Do montante, menos da metade é repassada para
aplicações como financiamento
estudantil, esportes, Seguridade
Social, Fundo Nacional de Cultura e Fundo Penitenciário Nacional. Não é de mais chances para
dilapidar sua renda com improváveis esperanças que essas pessoas carecem, mas -entre outras
coisas- de uma representação
parlamentar mais sintonizada
com o interesse público.
Um argumento em favor da jogatina estadual seria que a receita lotérica hoje beneficia exclusivamente a União, detentora de
um monopólio. Nesse caso, caberia aos Estados pleitear mudança
nas regras de repasses para finalidades sociais, não a multiplicação de loterias pelo país.
Outro ponto do projeto a merecer melhor justificativa é a
provisão para que as loterias estaduais porventura criadas possam ser exploradas também por
concessão, além de diretamente
pelos governos estaduais. Se se
trata de carrear mais recursos
para investimento social, por
que admitir a repartição com terceiros da receita extraída dos
apostadores?
O mínimo que se pode dizer é
que a iniciativa legislativa traz o
risco de ressuscitar interesses
criminosos cevados na exploração de jogos de azar. Diante do
cerceamento crescente de atividades como os bingos e os caça-níqueis, que vicejavam à sombra
da regulamentação do jogo por
governos estaduais, os interessados parecem ter boas razões para
enxergar no projeto uma tábua
de salvação.
Cabe aos deputados impedir
que isso aconteça.
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