São Paulo, quinta-feira, 04 de outubro de 2007

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Jogo pesado

Projeto que permite aos Estados explorar loterias ameaça ressuscitar interesses criminosos ligados aos jogos de azar

CAMINHA para realizar-se a profecia sobre loterias estaduais capturada em escuta telefônica pela Polícia Federal em fevereiro, na Operação Hurricane: "Passou no Senado e vai passar na Câmara". O autor do vaticínio foi o advogado Júlio Guimarães, cuja casa guardava R$ 10 milhões atrás de uma parede falsa. Devia saber do que falava.
O projeto de lei a que se referia, que autoriza a retomada da jogatina pelos governos estaduais, foi aprovado pelo Senado Federal em 8 de fevereiro (projeto 278/ 2006), apenas sete meses depois de proposto pela nada saudosa Comissão Parlamentar de Inquérito dos Bingos. Na Câmara dos Deputados, sob o número 472/2007, tramita já -e em regime de prioridade. Ontem mesmo, foi aprovado na Comissão de Defesa do Consumidor. Falta agora a Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania, depois o plenário.
É de se perguntar por que um projeto como esse ganhou o status de prioridade. Já existem nove loterias em funcionamento no país, todas elas administradas pela Caixa Econômica Federal, que arrancam de brasileiros, em geral pobres, mais de R$ 4,2 bilhões anuais. Do montante, menos da metade é repassada para aplicações como financiamento estudantil, esportes, Seguridade Social, Fundo Nacional de Cultura e Fundo Penitenciário Nacional. Não é de mais chances para dilapidar sua renda com improváveis esperanças que essas pessoas carecem, mas -entre outras coisas- de uma representação parlamentar mais sintonizada com o interesse público.
Um argumento em favor da jogatina estadual seria que a receita lotérica hoje beneficia exclusivamente a União, detentora de um monopólio. Nesse caso, caberia aos Estados pleitear mudança nas regras de repasses para finalidades sociais, não a multiplicação de loterias pelo país.
Outro ponto do projeto a merecer melhor justificativa é a provisão para que as loterias estaduais porventura criadas possam ser exploradas também por concessão, além de diretamente pelos governos estaduais. Se se trata de carrear mais recursos para investimento social, por que admitir a repartição com terceiros da receita extraída dos apostadores?
O mínimo que se pode dizer é que a iniciativa legislativa traz o risco de ressuscitar interesses criminosos cevados na exploração de jogos de azar. Diante do cerceamento crescente de atividades como os bingos e os caça-níqueis, que vicejavam à sombra da regulamentação do jogo por governos estaduais, os interessados parecem ter boas razões para enxergar no projeto uma tábua de salvação.
Cabe aos deputados impedir que isso aconteça.


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