São Paulo, domingo, 04 de outubro de 2009

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

TENDÊNCIAS/DEBATES


A nova civilização brasileira

ABRAM SZAJMAN


Sabemos que não podemos manter uma produção industrial de bugigangas programadas para se tornarem obsoletas


A CRISE financeira que se alastrou pelo planeta há um ano não chega, até o momento, a ser pior do que a Grande Depressão iniciada após o crash da Bolsa de Nova York, em 1929. Mas é mais grave porque, na era atômica, crises não podem ser superadas -como foram no passado- por uma conflagração mundial armada sem levar à destruição da espécie humana, que também estará ameaçada se insistirmos em tirar da natureza aquilo que ela não consegue mais nos dar.
Se a essas duas premissas somarmos uma terceira -a de que o desenvolvimento não pode beneficiar só uma minoria de países, enriquecidos ao custo do empobrecimento dos demais, nem privilegiar castas ou elites dentro de cada país-, chegaremos a uma conclusão única: ultrapassar a crise exige dos governantes e povos a construção de novas relações internas e internacionais baseadas no diálogo, na compreensão de que a Terra é a casa comum a ser preservada para todos, nas soluções negociadas para os conflitos -étnicos, territoriais ou econômicos- e na redução das desigualdades geradas por um processo de acumulação material sem limites.
Vivemos um momento único e decisivo de transição na nossa história.
Sabemos cada vez com mais clareza que não se pode dar sequência a uma produção industrial de bugigangas programadas para se tornarem obsoletas em tempos cada vez mais curtos.
Sabemos que o processo produtivo baseado na propriedade acumulada sobre bens de capital deverá ser gradativamente substituído por um desenvolvimento lastreado no capital humano, base da sociedade do conhecimento informatizado.
Sabemos que é preciso encontrar um equilíbrio nas taxas de crescimento demográfico, já que, diante de volume finito dos recursos naturais, quanto maior a população, menor sua qualidade de vida.
Sabemos, ainda, que as decisões das questões mundiais não podem mais ficar ao sabor de um punhado de nações ricas, que não conseguiram criar os instrumentos necessários para controlar os excessos e o potencial destrutivo de um capital financeiro focado na especulação, em detrimento da produção.
Em resumo, sabemos que a herança de 500 anos das revoluções comercial e industrial, com seus colonialismos, imperialismos e modelos econômicos destrutivos e assimétricos, está esgotada. Ainda não sabemos, porém, quais serão os contornos definitivos de um novo padrão civilizatório, capaz de nos livrar da barbárie social e da hecatombe ambiental.
Mas, no momento em que o presidente dos Estados Unidos, Barack Obama, defende perante o Congresso de seu país um sistema de saúde pública argumentando que seu custo -US$ 900 bilhões em uma década- será menor do que os gastos das guerras do Iraque e do Afeganistão, podemos ter esperança de que uma nova consciência esteja de fato surgindo entre os poderosos do globo.
Dessa forma, é possível vislumbrar um mundo em que uma nação seja respeitada menos por ser potência militar e econômica e mais por sua atitude ambiental e sua capacidade de disseminar a paz e a justiça social.
O Brasil, que em cinco séculos de existência situou-se na periferia do desenvolvimento econômico, tem agora a chance de vir a ser o que é de sua natureza: o líder em sustentabilidade e inclusão social.
Não temos conflitos internos de caráter étnico ou religioso nem problemas graves com nossos vizinhos. Possuímos a matriz energética mais limpa de todas. Recentemente, incorporamos milhões de pessoas aos mercados de trabalho e de consumo.
Falta-nos, entretanto, consolidar esses avanços sem cometer desatinos, como seria o de relegar a um segundo plano, em razão do petróleo no pré-sal, tudo o que já alcançamos e o que ainda podemos obter com o etanol e os biocombustíveis.
Precisamos investir mais em pesquisa e desenvolvimento de produtos e serviços socioambientalmente sustentáveis. Devemos insistir na educação pública de qualidade, que, com instrumentos de democracia participativa, ajude a retirar da letargia em que se encontram grandes contingentes da população, manipulados eleitoralmente por oligarquias interessadas em perpetuar seu poder sobre um Estado ineficiente, sugado pela corrupção endêmica.
Muito além de modelos econométricos, a nova civilização brasileira deve ser acima de tudo ética, pois só assim estará comprometida com um mundo que preserve a paz e a vida.


ABRAM SZAJMAN , 70, empresário, é presidente da Fecomercio-SP (Federação do Comércio do Estado de São Paulo), do Centro do Comércio do Estado de São Paulo, dos conselhos regionais do Sesc (Serviço Social do Comércio), e do Senac (Serviço Nacional de Aprendizagem Comercial) e do Conselho Deliberativo do Sebrae-SP (Serviço de Apoio às Micro e Pequenas Empresas).

Os artigos publicados com assinatura não traduzem a opinião do jornal. Sua publicação obedece ao propósito de estimular o debate dos problemas brasileiros e mundiais e de refletir as diversas tendências do pensamento contemporâneo. debates@uol.com.br

Texto Anterior: Frases

Próximo Texto: Marco Antonio Villa: Saudades do barão

Índice


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.