São Paulo, quarta-feira, 04 de novembro de 2009

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Arapuca parlamentar

Câmara põe na pauta proposta de aumento real de aposentadorias que pode desequilibrar ainda mais a Previdência

COM ALIADOS como Michel Temer (PMDB-SP), governo algum precisa de inimigos. O presidente da Câmara dos Deputados, talvez tomado de entusiasmo com a perspectiva de figurar na cédula presidencial como vice de Dilma Rousseff, incluiu na pauta de votações -com prioridade- um projeto demolidor para as contas públicas.
A proposta estende a 8,4 milhões de aposentados os aumentos reais do salário mínimo. Hoje, eles só beneficiam quem recebe o piso da Previdência.
Trata-se de uma entre várias ideias de sabor populista em tramitação no Congresso. Outra é acabar com o chamado fator previdenciário, sistema implantado em 1999 que estimula a postergação da aposentadoria e, assim, alivia o Tesouro. Já se calculou que esse pacote de irresponsabilidade fiscal, se aprovado, acarretaria despesa anual adicional de R$ 100 bilhões -a receita com impostos teria de saltar 14% só para cobrir essa conta.
Não são nulas as possibilidades de que o projeto prospere na Câmara. Já passou no Senado, de resto, por insistência de Paulo Paim (PT-RS), que construiu uma carreira parlamentar distribuindo afagos a aposentados e petardos contra o equilíbrio fiscal. A menos de um ano das eleições, uma força gravitacional compele deputados a endossarem matérias desse tipo.
Seria tolo negar que a política atual de conceder aumentos reais só para os menores benefícios achata os vencimentos de muita gente. De 2000 a 2009, ganhos iguais ao salário mínimo avançaram 242%, contra 100% no caso dos que excedem esse piso -ou excediam, porque nessa marcha mais e mais pensões acabam por igualar-se a ele.
Há muitas outras injustiças por resolver no Brasil. Mas todas precisam ser equacionadas no Orçamento, que já exige demais da sociedade, sob a forma de tributos. O deficit da Previdência, vale lembrar, registrou valor recorde em setembro (R$ 9,17 bilhões) e já acumula R$ 39,12 bilhões em 2009 -perigosamente perto da meta de R$ 41,4 bilhões para o ano, quando faltavam três meses para seu término.
O governo federal, temeroso de ver a proposta Paim avançar no Congresso, já negociava com centrais sindicais alguma concessão aos aposentados. Falava-se em um aumento real de 1,5% a 2,5%. Mesmo esse percentual mais modesto implicaria um gasto extra de até R$ 3 bilhões em 2010. A despesa nova deveria, no mínimo, ser compensada com um corte equivalente de gastos federais em outras áreas.
Ao comprometer o conjunto das contas públicas, uma série de aumentos pontuais de gastos solapa a capacidade de crescimento da economia. Sobra menos para o governo investir em habitação, saneamento, estradas, ferrovias, portos e aeroportos. O efeito sobre as empresas é semelhante: garroteadas pela tributação, têm dificuldade de ampliar a capacidade de produzir e empregar -e se veem prejudicadas na competição com produtos de países que taxam menos.
Gastos públicos e benefícios sociais não podem se expandir tão depressa a ponto de comprometer a própria geração de riquezas no país.


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