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FERNANDO DE BARROS E SILVA
A São Paulo de Lévi-Strauss
SÃO PAULO - "Um espírito malicioso definiu a América como uma
terra que passou da barbárie à decrepitude sem conhecer a civilização. Poder-se-ia, com mais acerto,
aplicar a fórmula às cidades do Novo Mundo: elas vão do viço à decrepitude sem parar na idade avançada". O antropólogo Claude Lévi-Strauss inicia com essas palavras,
bem conhecidas, o capítulo sobre
"São Paulo", o 11º de "Tristes Trópicos", dedicado a relatos e reflexões
em torno de sua viagem ao Brasil.
Lançado só em 1955, 15 anos após
a volta do autor à França, o livro
tem um forte acento literário e ensaístico, o que o torna bom de ler.
Ao chegar a São Paulo em 1935,
Lévi-Strauss diz que "não foi o aspecto novo que de início me espantou, mas a precocidade dos estragos
do tempo". Logo adiante, ele ironiza o afã do progresso de uma cidade
que se "desenvolve a tal velocidade
que é impossível obter seu mapa:
cada semana demandaria uma nova
edição". São Paulo lhe parece em
contínuo processo de construção e
dissolução -um amálgama de novidades e ruínas incapaz de alcançar a
civilização. Fisicamente, a cidade
descrita não existe mais, o que comprova o acerto das observações.
Na década de 30, o provincianismo da sociedade paulistana impressiona e diverte o francês de espírito cultivado. "Tristes Trópicos"
é cruel com nossas veleidades.
Como suas orquídeas prediletas,
diz Lévi-Strauss, a elite paulista
"formava uma flora indolente e
mais exótica do que imaginava" -e
a cultura, "até época recente, era
um brinquedo para os ricos".
Falando sobre a USP, que ajudou
a criar, Lévi-Strauss diz ter julgado
seus colegas nativos com "uma
compaixão um pouco arrogante". E
explica: "Ao ver aqueles professores
miseravelmente pagos, obrigados,
para comer, a fazer obscuros trabalhos, senti orgulho de pertencer a
um país de velha cultura, onde o
exercício de uma profissão liberal
era cercado de garantias e de prestígio". O tempo passou, mas "Tristes
Trópicos" dá muito o que pensar.
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