São Paulo, quinta-feira, 04 de dezembro de 2008

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FREDERICO VASCONCELOS

Muito além do caso Dantas

OS MINISTROS Gilmar Mendes e Joaquim Barbosa, do Supremo Tribunal Federal, cada um a seu modo, têm contribuído decisivamente para a abertura do Judiciário à sociedade.
Graças a Joaquim, que quebrou o sigilo do processo do mensalão, soubemos que ministros da mais alta Corte destilam preconceitos e trocam maledicências em laptops, e que advogados defensores de clientes da elite monopolizam a agenda dos tribunais para furar a fila no julgamento de recursos.
Graças a Gilmar, o Judiciário nunca esteve tão exposto: divergências internas vieram à tona, colocando em lados distintos magistrados, membros do Ministério Público e da Polícia Federal, numa pirotecnia midiática que estimula, igualmente, manifestações de admiradores e de opositores.
O presidente do STF conta com o apoio de notáveis da advocacia, que apreciam sua disposição para navegar contra a corrente e vêem na defesa do direito de defesa e no combate às condições indignas dos presídios um dos méritos de seu discurso. Muitos juízes, contudo, criticam o destempero de Mendes.
O relator do mensalão ganhou notoriedade, entre outros motivos, pelas discussões com pares, no Supremo, desentendimentos nos quais, afirma, "estava defendendo princípios caros à sociedade brasileira, como o combate à corrupção no próprio Poder Judiciário".
É nessa seara, longe dos holofotes, que se trava uma disputa esquecida. Apesar de Mendes combater a lentidão do Judiciário, ele não põe em julgamento um processo concluído em fevereiro em que o MPF contesta um fato incomum: num mesmo habeas corpus, Gilmar, que fora anteriormente voto vencido, voltou a ser relator no julgamento de novo recurso. Atuando como relator pela segunda vez, Gilmar foi acompanhado pela 2ª Turma do STF, trancando ação penal contra um magistrado federal de São Paulo que havia sido afastado, suspeito de falsificar documento público. (Durante esse afastamento, o substituto, hoje também sob investigação, aplicou economias domésticas e adquiriu dois imóveis: um apartamento no mesmo prédio em que reside e outro num edifício no litoral, onde também já tinha apartamento).
Beneficiado pela decisão de Gilmar, o magistrado retornou ao cargo e, meses depois, foi denunciado sob a acusação de outros crimes. O futuro dirá se a pregação do presidente do STF favoreceu o avanço de um Judiciário menos corporativista. A curto prazo, o cidadão que paga o salário desses agentes públicos espera que a Justiça confirme se aquele juiz sob suspeição merece punição ou se é uma vítima, digamos assim, dos excessos de "independentismo" do Ministério Público e da mídia.


FREDERICO VASCONCELOS é repórter especial. O colunista Kenneth Maxwell está de licença.


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