São Paulo, quinta-feira, 04 de dezembro de 2008

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TENDÊNCIAS/DEBATES

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A anti-reforma

GUILHERME DIAS


Não há pior fase do que esta para mudanças no sistema tributário. E esse é um dos piores projetos sobre o tema nos últimos 20 anos

HÁ MUITO tempo discute-se a necessidade de uma reforma tributária. A carga tributária no Brasil é a maior entre os emergentes. O sistema é complexo e demanda elevado custo de administração para quem arrecada e para quem contribui. Mas não há pior momento do que este para fazer uma mudança no sistema tributário: precisamente no início de uma crise que ninguém sabe com que intensidade vai evoluir e quanto tempo vai durar.
De todos os projetos de reforma tributária apresentados nos últimos 20 anos, esse é um dos piores. Aumenta a rigidez do sistema tributário, ao constitucionalizar assuntos que são próprios de lei ordinária ou complementar e até de resolução do Senado.
Quais deveriam ser os objetivos de uma reforma? Termos um sistema mais simples, mais eficiente e mais justo, que permitisse a ampliação do universo de contribuintes e diminuísse a carga tributária por indivíduo.
Um sistema neutro do ponto de vista da distribuição de receitas entre União, Estados e municípios.
A proposta apresentada vai no caminho oposto ao necessário. Reabre, de forma imprudente, disputas em torno da repartição de recursos entre Previdência, saúde, educação, Estados, municípios e União. Chega ao ponto de estabelecer em numerosos artigos dezenas de percentuais que iriam pra cá ou pra lá, como se a eternidade pudesse ser congelada na realidade de hoje.
O projeto provoca enormes perdas e desorganiza as finanças de Estados e municípios e joga toda a compensação para um fundo federal vago, sem financiamento, um verdadeiro "fundo da enganação"! Aliás, se não fosse para enganar, implicaria um enorme aumento de tributos.
A perda é particularmente certa para os Estados mais industrializados, por causa da excessiva redução da alíquota interestadual do ICMS -o que é indiferente ao contribuinte, mas transfere recursos entre Estados produtores e consumidores. Também desestimula a fiscalização na origem, colocando em risco a arrecadação inclusive no destino.
A quem interessa a desorganização das finanças estaduais e municipais, depois do longo e custoso processo de saneamento das contas, a partir da consolidação e do refinanciamento das dívidas com o Tesouro Nacional e da implantação da Lei de Responsabilidade Fiscal? Será que os defensores dessa proposta de reforma tributária querem ainda mais concentração de recursos e poder no governo central?
Impõe-se ainda uma perda gradual de receitas à Previdência, que chega a totalizar R$ 24 bilhões, sem indicar nem remotamente fontes alternativas de recursos para um setor que já opera com déficits elevados.
Apesar da promessa de redução, poucos sabem que o projeto deixa espaço para o aumento da tributação federal. A fusão de tributos federais no chamado IVA federal numa base de tributação ampliada aumenta o seu potencial de arrecadação e, como os gastos correntes da União continuam crescendo de forma acelerada, todos conhecemos o final dessa história! Curioso é que quem ganha com o novo IVA federal são os bancos, pois a CSLL, que hoje tributa mais os bancos do que as empresas não financeiras, passa a integrar o novo imposto.
A criação do IVA federal com base de incidência sobreposta ao ICMS aumenta o risco de contestação na Justiça, ampliando notavelmente as incertezas. Para quê? Para nada, pois a diminuição do número de tributos poderia ser feita de forma rápida e neutra por lei. O ex-secretário da Receita Federal Everardo Maciel já explicou isso dezenas de vezes.
As críticas ao projeto estão sendo respondidas por seus autores de forma esperta. Em vez de debaterem o conteúdo, procuram fazer intrigas e estimular divergências na Federação, atribuindo as críticas aos interesses de São Paulo ou de candidaturas presidenciais. E, em vez de atraírem apoios mediante a persuasão baseada em argumentos técnicos e jurídicos, criaram um balcão de atendimentos especiais, na base do "o que você quer para votar a favor?".
Com isso, o projeto piora mais ainda. O original do governo era bem-intencionado, ainda que mal costurado.
O substitutivo do deputado Sandro Mabel (PR-GO), aprovado na Comissão Especial de Reforma Tributária, conseguiu piorá-lo em tudo.
Há até um certo masoquismo nacional ligado a esse projeto. Seria como se, no meio de um temporal, o Brasil vislumbrasse uma casca de banana e atravessasse a rua para pisá-la e escorregar.


GUILHERME GOMES DIAS, 47, economista, é secretário de Desenvolvimento do Estado do Espírito Santo. Foi ministro do Planejamento (governo FHC).


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