São Paulo, sexta-feira, 04 de dezembro de 2009

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JOSÉ SARNEY

A pandemia da corrupção

NA HISTÓRIA da humanidade e da civilização, jamais foi encontrado antídoto algum contra a corrupção. Já o Código de Hamurabi, que data de 1700 a.C., durante muito tempo considerado o primeiro código legal da humanidade, fala em punição de governantes corruptos.
Cícero e Catão construíram suas histórias políticas martelando contra ela, e em todos os parlamentos existem grupos ou pessoas que fazem sua carreira defendendo a pureza das instituições a que pertencem ou atacando a dignidade de seus colegas.
As ideias políticas do mundo ocidental incorporaram o combate à corrupção e, mais do que isso, a acusação aos adversários de corruptos como chaves da atividade política.
Adriano Moreira, um grande mestre da ciência política em Portugal, anota com agudeza que o discurso de Péricles aos mortos da Guerra do Peloponeso já inclui as duas coisas: primeiro, a condenação da corrupção; depois, a acusação do adversário de corrupto quando fala do roubo de ouro das estátuas de Fídias, a quem defende.
Ultimamente, os escândalos de corrupção têm marcado a vida pública brasileira. São episódios vergonhosos, que denigrem cada vez mais os políticos. Se a corrupção é um câncer para a sociedade, muito mais quando se trata da corrupção política, definida como "o uso ilegal do poder político e financeiro com objetivo de transferir renda pública ou privada de maneira criminosa para indivíduos ou grupos".
Muitas leis, barreiras, ameaças, punições têm tentado evitá-las. Nossa primeira lei contra a corrupção de colarinho branco foi feita por mim (lei 7.492/86). É de minha autoria a lei que determina a declaração de bens de candidatos a cargos públicos.
Mas nada disso pode deter a doença que ataca a classe política. Nabuco, no discurso em que defende João Alfredo -o presidente do Conselho que fez a Lei Áurea-, dizia o quanto ela era uma constante da nossa história e citava casos, como o das concessões para loterias, engenhos centrais e outras. Mas, comparadas com as de hoje, são quase que pecadilhos angelicais.
O que ocorre no país neste instante é inclassificável. É trágico, deprimente, inconcebível, sob todos os ângulos. Mas acredito que o grande responsável por tudo isso esteja passando incólume.
É o nosso sistema eleitoral. O voto uninominal proporcional, que destrói a democracia, os partidos, a vida pública e a própria classe política. Para a eleição, os ideais, os programas e os princípios de nada servem. Só o dinheiro necessário para a vitória. E o país pensa que enforcar os corruptos resolve tudo. Quem deve ser enforcado é o sistema eleitoral. Sem isso, de nada adianta punir ou envergonhar-se.

JOSÉ SARNEY escreve às sextas-feiras nesta coluna.



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