São Paulo, sábado, 04 de dezembro de 2010

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Editoriais

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Polícia contaminada

Para que a política de reconquista de territórios seja sustentável, é preciso dar condições materiais e morais às forças de segurança do Rio

Não seria necessário o apoio de um estudo científico para afirmar que a população brasileira vê com restrições o desempenho das polícias. Uma pesquisa sobre o tema, no entanto, foi realizada pelo Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada), órgão vinculado ao governo federal, que ouviu 2.770 pessoas em todo o país.
Cerca de 70% dos entrevistados disseram que confiam pouco ou não confiam nas polícias Civil e Militar. O trabalho policial também é visto pela maioria como lento, ineficiente e desrespeitoso no trato com os cidadãos.
Não é o caso de condenar em bloco instituições que podem facilmente exibir uma folha de bons serviços prestados à população. Não é de hoje, porém, que essa visão negativa é compartilhada de maneira difusa pela sociedade -e tal imagem não surge do nada.
Especialistas em segurança parecem concordar que no Rio de Janeiro a situação chegou a limites inauditos no que tange à corrupção, violência e ineficácia policiais. À sombra da incúria do Estado, consumou-se a associação entre o crime e setores da polícia, que se alimentam e se protegem mutuamente. Uma das explicações para esse fenômeno é o fato de a criminalidade no Rio ter-se organizado em regiões da cidade sob domínio de seus agentes.
Não apenas o tráfico de drogas, ao que consta em relativo declínio, controla territórios. O domínio também é exercido por meio da venda ilícita de serviços, como transporte, gás, luz e segurança, por parte das milícias. Em suas fileiras, como é notório, militam policiais, e em seus círculos de relações encontram-se políticos e representantes do poder público.
Conveniências eleitorais, propinas e a exploração de atividades ilegais prevalecem sobre o interesse público, permitindo que áreas inteiras fiquem nas mãos do crime. Essa é a razão pela qual retomar territórios é meta primordial da estratégia de segurança fluminense. É nesse contexto que se deve entender e apoiar as ações no Complexo do Alemão.
Para prosseguir com essa política será preciso o concurso de forças preparadas para a tarefa, o que requer não apenas treino, equipamento e melhores salários, mas a depuração das polícias. As denúncias de roubo e maus-tratos cometidos por policiais militares na recente ocupação, já por si alarmantes, são agravadas por versões de que traficantes fugiram da favela escoltados por quem deveria prendê-los.
Compelido, em razão dos ataques praticados por marginais, a antecipar o que seria seu cronograma de ação, o governo do Estado parece depositar cada vez mais suas esperanças na substituição da polícia pelo Exército. Já se argumentou aqui sobre a inconveniência de expor, por tempo prolongado, a última linha de defesa nacional aos riscos da corrupção por organizações criminosas.
É preciso que as autoridades federais e estaduais criem alternativas. Às primeiras, cabe viabilizar a Força Nacional de Segurança. Às fluminenses, apresentar um plano para dar às polícias condições materiais e morais para cumprir seu dever. Não será convivendo com malfeitos e transferindo o problema para as Forças Armadas que se alcançará a desejada pacificação do Rio de Janeiro.


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