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PARADOXO DO ABORTO
Animados pela conquista da
maioria no Senado norte-americano, alguns republicanos antiabortistas pretendem aprovar na próxima legislatura uma série de restrições ao direito ao aborto.
O pacote, que começa com a proibição de um procedimento médico
que eles chamam de "aborto com
nascimento parcial", também inclui
tornar crime o ato de levar uma menor para abortar em outro Estado, a
fim de evitar que seus pais sejam notificados da gravidez, e a criação do
delito de lesões ao feto, a ser aplicada
a pessoas que ataquem uma mulher
grávida. Os antiabortistas também
pretendem que hospitais e clínicas
possam recusar-se a fazer abortos
sem temer sanções como a perda de
subsídios públicos.
Outra medida que deve entrar na
agenda republicana é a proibição de
pesquisas com células-tronco embrionárias, cuja obtenção implica a
destruição de embriões humanos.
Algumas dessas iniciativas já foram
aprovadas pela Câmara, que também é controlada por republicanos.
A idéia de proibir o "aborto com
nascimento parcial", mais adequadamente chamado pelo nome médico de aborto por ECI (esvaziamento
craniano intra-uterino), torna-se curiosa no contraste com o Brasil. Essa
técnica é quase exclusivamente utilizada para interromper a gravidez
avançada e que represente risco para
a vida da mãe, um dos dois únicos
casos em que o aborto é autorizado
pela restritiva lei brasileira (o outro é
a gravidez resultante de estupro).
A descrição da técnica de aborto
por ECI é de fato repulsiva, mas não
faz sentido restringir o arsenal médico com base em sensações de aversão. As descrições de muitas técnicas
cirúrgicas também parecerão repugnantes ao leigo.
A questão não é diferente com o
aborto por ECI. Suas indicações
mais comuns são: morte do feto, risco de morte para a mãe, risco para a
saúde da mãe e más-formações fetais
que inviabilizem a vida extra-uterina.
Em casos como esses, o aborto por
ECI não é a única opção do médico,
mas pode ser a mais segura. A alternativa geralmente passa por uma
histerotomia (incisão no útero para a
retirada do feto), que é uma cirurgia
de médio porte, com todos os riscos
correspondentes.
É estranho que os EUA, onde o
aborto é considerado um direito
constitucional da mulher, cogitem
aprovar uma lei que é mais restritiva
do que a antiquada legislação brasileira. É claro que uma lei como essa
acabaria levada à Suprema Corte.
Embora seja esse o tribunal que definiu, 30 anos atrás, o aborto como um
direito constitucional, muitos analistas acreditam que, com a atual composição conservadora da corte, a situação possa vir a ser revertida.
O movimento americano tornou-se possível porque conservadores ganharam espaço no Congresso. O
Brasil poderia, num movimento análogo, mas de sentido inverso, aproveitar a eleição de um Parlamento um
pouco mais liberal que o anterior para debater e modernizar sua arcaica
legislação sobre o aborto.
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