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CÁSSIO STARLING CARLOS
O Fome-Zero do audiovisual
A entrada em vigor, nesta semana, das novas regras da chamada
cota de tela -tempo definido pelo governo de exibição compulsória de filmes brasileiros- traz de novo à tona a questão da regulamentação, foco da
maior parte das críticas dirigidas ao
projeto da Ancinav.
A despeito das críticas aos pontos
considerados polêmicos do projeto de
criação da Agência Nacional do Cinema e do Audiovisual, o fato de o governo criar mecanismos de estímulo à produção, à sua diversificação e estabelecer critérios para garantir a exibição não tem, em si, nada de negativo.
Afinal, os países com uma cinematografia significativa se impuseram
também graças a mecanismos protecionistas, sobretudo à dominação das
máquinas de guerra hollywoodianas.
É necessário, porém, indagar se o fato de impor condições de visibilidade
para o produto nacional se fará acompanhar do interesse do espectador pela produção audiovisual brasileira.
A relação entre os números da cota
de tela e de bilheteria no ano passado
invalida essa necessidade lógica. Em
2004, todas as salas foram obrigadas a
reservar, no mínimo, 63 dias para a
exibição de produções nacionais, o
dobro do determinado em 2003.
Já nas bilheterias, entre 2003 e 2004
houve um recuo de 20% para os filmes
brasileiros. Um raciocínio simplificado sugere que por trás dessa redução
pode estar não a quantidade, mas a
qualidade da oferta.
Também a experiência histórica indica que o automatismo da obrigatoriedade pode resultar em fracasso.
Basta lembrar a exibição compulsória
de filmes brasileiros, vigente nos anos
70, então cumprida mecanicamente,
mas insuficiente para despertar qualidade e diversidade.
Portanto, a cota de tela apenas não
basta. Falta uma política de estímulo à
produção, mas que não se limite ao
âmbito financeiro. A cultura audiovisual de um país não se desenvolve por
decreto. As boas condições incluem
formação qualificada -o que significa não só de artistas, técnicos e roteiristas, mas sobretudo do público.
O que falta mesmo é uma ampliação
de exigência estética, seja de quem
cria, seja de quem consome. "Olga" e
os filmes de Xuxa, por exemplo, são
direcionados para um público para o
qual ir ao cinema não chega a ser um
hábito de consumo.
O contra-exemplo é "Meu Tio Matou um Cara", cujo prazer narrativo
contamina, sim, o público cinéfilo,
mas muito mais aquele que costuma
dizer na saída: "É tão bom que nem
parece filme brasileiro".
Pois uma cinematografia forte se faz
mais à custa de filmes de pequenos e
médios -os cinemas da Argentina e
do Irã são os exemplos mais recentes,
goste-se ou não deles.
Se precisarmos de, a cada ano, clonar Hollywood para validar os "avanço e conquistas do cinema brasileiro", a imagem que fazemos do país -e
que passa pelas imagens que podemos
ver no cinema, na TV e no audiovisual
em geral- não passará de miragem.
Cássio Starling Carlos é editor da Ilustrada.
Hoje, excepcionalmente, não é publicado o artigo
de Antonio Delfim Netto, que escreve às quartas-feiras nesta coluna.
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