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TENDÊNCIAS/DEBATES
A "vigilância" de contas bancárias, que substitui o efeito fiscalizador da CPMF, é constitucional?
NÃO
O sigilo é um direito seu, meu, nosso
VLADIMIR ROSSI LOURENÇO
AS INSTITUIÇÕES financeiras
sabem e os agentes do fisco
também: é dever dos destinatários da norma que protege o sigilo
bancário manter resguardados dados
de tantas quantas pessoas -físicas ou
jurídicas- operarem, de uma ou de
outra forma, nesse sistema.
A proteção ao sigilo bancário está
no inciso X do artigo 5º da nossa
Constituição Federal ("são invioláveis a intimidade, a vida privada, a
honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito à indenização pelo
dano material ou moral decorrente
de sua violação") e no inciso XII do
mesmo artigo ("é inviolável o sigilo da
correspondência e das comunicações
telegráficas, de dados e das comunicações telefônicas, salvo, no último
caso, por ordem judicial, nas hipóteses e na forma que a lei estabelecer
para fins de investigação criminal ou
instrução processual penal").
Não decorre da criação dadivosa do
legislador complementar (lei complementar 105/2001). Integra o rol dos
direitos e garantias fundamentais de
todos os cidadãos brasileiros. Logo,
não pode ser tisnada por espécie normativa de hierarquia menor, como
estamos vendo.
A instrução normativa da Receita
Federal 802, de 27/12/2007, foi além
das questionadas normas que lhe deram fundamento. Não se satisfez em
romper os limites de duvidosa constitucionalidade traçados pela lei complementar e pelos decretos que a regulamentaram: dispôs, no artigo 2º,
que, na hipótese em que o montante
global movimentado por semestre referente a uma modalidade de operação financeira discriminada no parágrafo primeiro do artigo 5º da lei complementar 105/2001 for superior a R$
5.000 (caso de pessoa física) ou R$ 10
mil (por pessoa jurídica), as instituições financeiras deverão prestar informações relativas às demais modalidades de operação, ainda que movimentadas em montantes globais inferiores aos limites estabelecidos.
Com isso, contrariou o disposto no
artigo 4º do decreto 4.489, de 2002,
que permitia às instituições financeiras desconsiderar as informações relativas a cada modalidade de operação com montante global movimentado mensalmente inferiores a esses
mesmos limites.
Em tradução livre: pode não haver
limite mínimo algum para que as informações sejam repassadas ao fisco.
Foi ainda mais longe a referida instrução ao ignorar que o decreto 3.724,
de 2001, este também alvo de Adin
(Ação Direta de Inconstitucionalidade), ao possibilitar a quebra do sigilo
bancário pela autoridade administrativa, exigiu como condição para tal a
existência de processo administrativo fiscal e a imprescindibilidade da
violação dos dados.
No âmago da relação jurídica tributária, a União age como parte, impondo o cumprimento do dever ao contribuinte, mas sem gozar privilégios que
desequilibrem essa relação.
A regra constitucional que veicula o
direito ao sigilo de dados bancários só
pode ceder a excepcionalidade no
curso de processo administrativo ou
judicial quando necessária para conclusão da ocorrência do fato tributário ou eventual fraude ou crime, sempre mediante ordem judicial.
O governo, com o fim da CPMF,
alardeia ter perdido importante instrumento de fiscalização. Contudo, a
contribuição provisória foi concebida
como tributo eminentemente de arrecadação, e não de fiscalização, tanto
que a lei 9.311, de 24/10/96, na redação original do parágrafo terceiro do
artigo 11, vedava a utilização das informações bancárias para a constituição de crédito tributário relativo a outras contribuições ou impostos.
Alguém já disse que uma vida pode
ser escrita a partir dos cheques emitidos e das compras com cartões de crédito. Assim, é um direito seu, meu,
nosso -assegurado constitucionalmente- que esses dados não sejam
devassados sem a existência prévia de
processo, ainda que administrativo.
Por fim, a instrução normativa, se
aplicada, irá promover a quebra generalizada no sigilo bancário de inúmeros correntistas. E, por isso, é inconstitucional. O razoável argumento de
combate à sonegação fiscal, ao crime
contra a ordem tributária, à evasão
fiscal, à lavagem de dinheiro não permite que se perpetrem atos contra a
Constituição Federal.
Fora da Constituição, não há segurança jurídica nem esperança para a
sociedade. Tampouco para a administração pública.
VLADIMIR ROSSI LOURENÇO, 45, advogado, é vice-presidente do Conselho Federal da OAB (Ordem dos Advogados do Brasil).
Os artigos publicados com assinatura não traduzem a opinião do jornal. Sua publicação obedece ao propósito de estimular o debate dos problemas brasileiros e mundiais e de refletir as diversas tendências do pensamento contemporâneo. debates@uol.com.br
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