São Paulo, sábado, 05 de janeiro de 2008

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

A "vigilância" de contas bancárias, que substitui o efeito fiscalizador da CPMF, é constitucional?

SIM

Receita de combate à sonegação

JOSÉ EDUARDO DUTRA

UMA NOVA polêmica chega para agitar o ambiente tributário nacional. Constitucionalistas de plantão se manifestam ferozmente contra "mais uma medida atentatória ao sagrado direito ao sigilo bancário cometida pela Receita Federal do governo Lula".
Tudo porque a Receita Federal, baseada na lei, editou instrução normativa para que as instituições financeiras lhe repassem, semestralmente, dados sobre a movimentação de pessoas físicas e jurídicas.
Ao assumir a cadeira de senador da República pelo PT-SE em 1995, apresentei, no dia seguinte à posse, projeto (PLS 7, de 16/2/1995) que estabelecia a obrigatoriedade de as instituições financeiras repassarem mensalmente à Receita Federal os dados dos correntistas que movimentassem um valor superior a 20 mil Ufirs. O projeto foi aprovado na Comissão de Assuntos Econômicos e posteriormente incorporado a projeto do senador Lúcio Alcântara (PSDB-CE), na forma do seu artigo 5º.
Aprovado nas comissões, com o parecer favorável dos relatores Jefferson Péres (PDT-AM) e Vilson Kleinübing (PFL-SC), o projeto foi a plenário no Senado em fevereiro de 1998.
Lá se travou um grande debate em torno do artigo 5º, pois os líderes do PSDB, do PMDB e do PFL encaminharam pela rejeição com argumentos semelhantes aos que estamos vendo agora.
Só que o então líder do governo, o senador Elcio Álvares (PFL-ES), com o apoio do então secretário da Receita, Everardo Maciel, defendeu a manutenção do artigo, o que foi acatado pela maioria do plenário. O projeto foi à Câmara dos Deputados, voltou ao Senado e foi posteriormente sancionado como lei complementar nº 105, em 10 de janeiro de 2001, que foi regulamentada no ano seguinte.
O artigo 5º diz, em seu "caput", que o Poder Executivo disciplinará os critérios segundo os quais as instituições financeiras informarão à administração tributária da União sobre as operações financeiras efetuadas pelos usuários de seus serviços.
O parágrafo 2º define que as informações transferidas serão restritas a informes relacionados com a identificação dos titulares das operações e os montantes globais mensalmente movimentados, sem nenhum elemento que permita identificar a sua origem ou a natureza dos gastos a partir deles efetuados. E o parágrafo 5º determina que as informações sejam consideradas sob sigilo fiscal, na forma da legislação em vigor.
Portanto, onde está a inconstitucionalidade? As informações repassadas à Receita Federal serão exatamente as mesmas que eram obtidas por meio da CPMF.
Aliás, não era feito dessa forma antes exatamente pela existência daquela contribuição. Com a sua revogação, o Estado não pode abrir mão desse instrumento de fiscalização, que, ao longo do tempo, tem contribuído para arrecadar bilhões de reais que seriam sonegados.
O Estado não é um ser tão impessoal como parece. Ele é representado pelos agentes públicos e suas prerrogativas. Por que é considerado inconstitucional um auditor da Receita Federal ter acesso a algumas informações que um auditor do Banco Central tem, sem nenhuma contestação, se ambos estão submetidos às mesmas normas de sigilo?
A resposta a essa pergunta foi dada no plenário do Senado pelo saudoso senador Vilson Kleinübing, liberal convicto: "É que o auditor da Receita Federal, de posse dessas informações, pode recuperar o imposto sonegado".
Leio nos jornais que a OAB (Ordem dos Advogados do Brasil) poderá contestar esse dispositivo. Estranho, pois ela nunca questionou a transferência das mesmas informações via CPMF.
Espero que o seu presidente, Cezar Britto, meu conterrâneo de Sergipe, que tem uma história de lutas em defesa da transparência, não embarque nessa canoa furada que poderá provocar um tremendo retrocesso no combate à sonegação.


JOSÉ EDUARDO DUTRA, 50, presidente da Petrobras Distribuidora e ex-presidente da Petrobras (2003 a 2005), foi senador pelo PT-SE (1995 a 2003), autor do projeto lei do Senado nº 7, de 16/2/1995, que estabelecia a obrigatoriedade de as instituições financeiras repassarem à Receita Federal os dados dos correntistas.

Os artigos publicados com assinatura não traduzem a opinião do jornal. Sua publicação obedece ao propósito de estimular o debate dos problemas brasileiros e mundiais e de refletir as diversas tendências do pensamento contemporâneo. debates@uol.com.br

Texto Anterior: TENDÊNCIAS/DEBATES
Vladimir Rossi Lourenço: O sigilo é um direito seu, meu, nosso

Próximo Texto: Painel do Leitor
Índice


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.