São Paulo, segunda-feira, 05 de janeiro de 2009 |
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TENDÊNCIAS/DEBATES Os artigos publicados com assinatura não traduzem a opinião do jornal. Sua publicação obedece ao propósito de estimular o debate dos problemas brasileiros e mundiais e de refletir as diversas tendências do pensamento contemporâneo. debates@uol.com.br Um governador em conflito com a lei
OTO DE QUADROS
QUANDO SÃO eleitos, os dirigentes políticos do Estado prestam o compromisso de manter, defender e cumprir a Constituição, observar as leis, promover o bem geral do povo do município, do Estado, do Distrito Federal e do Brasil, respectivamente. Na Constituição Federal promulgada há mais de 20 anos, estabelece-se que todo o poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente, nos termos da própria Constituição. Se determina no artigo 227, sugerido pelos movimentos sociais com mais de 1,3 milhão de assinaturas, o dever da família, da sociedade e do Estado de assegurar com prioridade absoluta todos os direitos a crianças e adolescentes. E que as ações governamentais no atendimento dos direitos da criança e do adolescente serão realizadas e organizadas com base em duas diretrizes: descentralização político-administrativa, cabendo a coordenação e as normas gerais à esfera federal e a coordenação e a execução dos respectivos programas às esferas estadual e municipal, bem como a entidades beneficentes e de assistência social; e participação da população, por meio de organizações representativas, na formulação das políticas e no controle das ações em todos os níveis. A primeira diretriz remete à forma federativa de Estado adotada pelo Brasil. É a própria organização do país em União, Estados, Distrito Federal e municípios. Daí, a Constituição Federal é clara: cabe à União coordenar e estabelecer normas gerais para todo o sistema de garantia dos direitos das crianças e adolescentes. A coordenação e a execução dos respectivos programas cabe às esferas estadual e municipal. O Distrito Federal assume competências reservadas a Estados e municípios. A segunda diretriz é o fundamento constitucional tanto para a obrigatoriedade da existência dos conselhos dos direitos da criança e do adolescente com poder deliberativo nas esferas federal, estadual, municipal e do Distrito Federal, bem como para a existência dos conselhos tutelares, com poder de zelar pelos direitos das crianças e adolescentes. Essas normas constitucionais causaram verdadeira revolução na concepção do Estado brasileiro que ainda não foi bem assimilada. O dirigente político eleito não mais está autorizado a governar o município, o Estado, o Distrito Federal, o Brasil como lhe parecer conveniente e na medida em que as relações de poder existentes o permitam. Ele foi eleito para cumprir a Constituição e as leis. Não recebeu delegação alguma para deixar de executar a política de Estado imposta pela Constituição. A partir da previsão constitucional, é criado o Conanda (Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente), que, entre outras, recebe competência para elaborar as normas gerais da política nacional de atendimento dos direitos da criança e do adolescente, fiscalizando as ações de execução, observadas as linhas de ação e as diretrizes estabelecidas no Estatuto da Criança e do Adolescente. São criados, do mesmo modo, conselhos estaduais nos 26 Estados e no Distrito Federal e conselhos municipais, ainda não em todos os municípios. Pesquisa de 2006 do Conanda informa que 461 municípios ainda não criaram conselho dos direitos e 694 não criaram conselho tutelar. Infelizmente, mais de 18 anos depois da promulgação do ECA e mais de 20 anos da Constituição Federal, a prioridade constitucional para crianças e adolescentes ainda não é uma realidade. Muitos governantes não dão a mínima importância à prioridade absoluta à criança e ao adolescente. Com a falácia de que foram eleitos para governar, preferem construir obras faraônicas, enfeitar as ruas, fazer espetáculos generosamente pagos com dinheiro público, como a Copa de 2014, festas e shows, por exemplo. Muitos, já na metade do mandato, fazem de conta que não existe uma política de Estado prevista na Constituição e no Estatuto da Criança e do Adolescente que deve ser executada antes de qualquer plano de governo. Nem mesmo os recursos mínimos previstos no Orçamento são executados. Ignoram as deliberações dos conselhos dos direitos. O início dos novos mandatos municipais em 1º de janeiro renova a esperança de ventos favoráveis às crianças e adolescentes que sirvam de inspiração a governantes de Estados e cidades que fazem questão de esquecer o compromisso de manter, defender e cumprir a Constituição Federal e observar as leis. OTO DE QUADROS , 45, especialista em direito constitucional eleitoral pela Universidade de Brasília, é promotor de Justiça de Defesa da Infância e da Juventude no Distrito Federal. Texto Anterior: TENDÊNCIAS/DEBATES Ricardo Abramovay: Enxofre no diesel Próximo Texto: Painel do Leitor Índice |
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