São Paulo, terça-feira, 05 de janeiro de 2010

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MARCOS NOBRE

O piso e o Suriname

O ANO SE ENCERROU com duas notícias muito boas, aparentemente desconectadas. A primeira: pelo menos 40 mil imigrantes irregulares entraram com pedido de anistia. A segunda: o piso salarial nacional obrigatório para o professorado do ensino básico subiu para R$ 1.025.
Os números são pouco confiáveis, mas é certo que o contingente de imigrantes irregulares no país é bem maior que isso, talvez dez vezes maior. Mas a anistia mostra que, ao contrário da Europa e dos EUA, o Brasil não adota uma política de repressão sistemática, um dos maiores focos de tensão no mundo no momento e que assim continuará pelas próximas décadas.
Já o novo piso salarial para o professorado parece fazer parte de programa eleitoral: corresponde quase que exatamente ao critério de entrada na chamada classe C (de dois a cinco salários mínimos), o carro abre-alas da era Lula. É também o mínimo que se deve fazer nesse campo. Mas conseguir esse mínimo foi luta de décadas. E é mesmo um passo decisivo para começar a melhorar a educação básica pública.
É possível que 5 milhões de brasileiros vivam hoje no exterior.
Pesquisas recentes, como as do Núcleo de Estudos de População da Unicamp, mostram que se trata, em grande parte, de uma emigração já enraizada nos países de destino, que já formou redes sociais sólidas, com baixa probabilidade de retorno definitivo ao Brasil. Os fluxos migratórios para os lugares em que redes sociais já se estabeleceram devem continuar.
O que deve mudar com as boas perspectivas de desenvolvimento do país para os próximos anos é que muita gente que poderia desbravar outros destinos migratórios tenderá a ficar. Até a crise vai dar uma mãozinha nisso.
Mais que isso, é a imigração que deve aumentar nos próximos anos.
Mas não virá simplesmente suprir um crescimento populacional que não dá conta das necessidades do desenvolvimento econômico. Nem apenas por causa de lacunas pontuais em alguns setores. Virá suprir a falta de educação de largas parcelas da população.
Muitas pessoas que hoje gritam que faltará mão de obra qualificada são as que sempre foram a favor da educação, claro, mas que tinham um ataque de nervos toda vez que se falava em aumentar os gastos públicos ou o salário mínimo. Seria muito bom perguntar a elas o que fazer agora com quem não teve educação nem encontra trabalho.
Pessoas para quem o aumento do piso do professorado chegou tarde demais. Pessoas como Alda da Costa, que foi para o Suriname se arriscar no garimpo por uma razão muito básica: "No Brasil, eu ia morrer de fome".

nobre.a2@uol.com.br


MARCOS NOBRE escreve às terças-feiras nesta coluna.

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